Vocês não vão acreditar no que me aconteceu na última vez que eu fui ao
Departamento de Imigração daqui. Tá com tempo? Deixa eu contar, então.
Depois que de receber um visto permanente aqui na Alemanha, você ganha um
adesivo em uma das páginas de seu passaporte. Á partir de 01 de setembro desde
ano, o departamento de imigração passou a adotar um outro formato pra isso. Ao
invés do adesivo, a gente recebe um negócio do tamanho de um cartão de crédito,
parecidíssimo com a carteira de identidade alemã.
Mas cedo ou mais tarde, todo mundo vai ter de ter essa coisa, por isso
resolvi adiantar logo meu lado e fazer esse cartão. Pra isso tive de ir à
ante-sala do inferno. Quer dizer, ao Ausländeramt (Departamento de Imigração).
Me espantei quando cheguei lá, recebi uma senha e dei entrada na minha nova
identidade sem ter que esperar uma manhã inteira e sem ter sido tratada como
marginal. Agradeci ao universo, elogiei a funcionária numa tentativa de
oferecer reforço positivo para esse novo tipo de comportamento e encorajar o
bom atendimento. Mal sabia eu que estava me precipitando em ser tão generosa em
meus elogios.
Duas semanas depois, recebo uma carta deles me informando que a identidade
estava pronta e que eu deveria ligar, marcando um horário pra retirá-la. Fantástico!
Comecei a achar que realmente a política de Bremen estava começando a perceber
o quanto era importante investir no bem estar de seus cidadãos
independentemente de suas origens, afinal de contas a
cor dos olhos e das peles podem até variar, mas as cores das notas dos euros
pagos em impostos dos alemães e dos estrangeiros são iguais. Durante dois
dias seguidos tento entrar em contato com eles pra marcar um dia pra pegar o
documento. Dois dias de ligações constantes e obstinadas em horários diferentes
do dia e nada. Ninguém nem se dava ao trabalho de atender o telefone. Nem uma
gravação mandando aguardar, nem uma caixa postal na qual eu pudesse deixar um
recado. Resolvi acordar cedinho no dia seguinte e ir lá. Esse departamento abre
as 8:00 da manhã, meia hora depois estava lá. Poucas pessoas na sala de espera,
“cheguei em boa hora”, pensei animadinha. Minha animação foi logo, logo
substituida por horror, quando o funcionário que entrega as senhas de
atendimento me informou que as senhas pra aquele dia tinham acabado e que eu
deveria voltar no dia seguinte as 6:30 da manhã.
“É o que? Pirou o cabeção, foi?” foi o que pensei. Se vocês sabem com as
coisas funcionam aqui na Alemanha, vão entender o porquê de minha reação. Os
alemães são conhecidos na Europa inteira por serem eficientes, confiáveis,
trabalhadores sem serem obsessivos, mas cumpridores de suas obrigações e
implacáveis seguidores da ordem. Essa coisa de ir pra fila de madrugada,
acampar na frente do prédio pra pegar ficha é coisa impensável por aqui. Afinal
de contas se existe uma forma eficiente de se resolver um problema, os alemães
com certeza já a estão usando, acreditem. E resolver o problema de muita gente
querendo ser atendida é muito fácil. Tudo quanto é de serviço que você precise,
toda informação que você desejar obter, qualquer problema que você possa
imaginar, pode ser solucionado aqui por telefone, por e mail ou marcando um
horário. Você chega na sua hora, é super bem atendido e nem fica estressado nem
estressa ninguém.
É, mas isso não se aplica ao Ausländeramt. Lá o que se observa é que não há
uma preocupação tão grande em se oferecer serviços de qualidade, como se os
usuários desses serviços não compensassem o trabalho que eles tem de fazer. O
departamento de imigração aqui tem poucos funcionários, a maioria mau humorada
e completamente despreparada pra lidar com pessoas diferentes deles. Quase
ninguém fala inglês e se fala, finge que não fala. Por isso o que se observa lá
é de arrepiar os cabelos. E não deu outra. Tive de engolir esse sapo e voltar
no dia seguinte às 6:30 só pra ser informada que, outra vez, eles não tinham
mais senha. Como geralmente aqui na Alemanha reclamações são levadas a sério e
normalmente todo aquele que oferece alguma espécie de serviço se preocupa com o
que a opinião pública pensa sobre eles, resolvi manter a calma e dizer “Ok, eu
quero então registar uma reclamação formal.”
Só que eu mais uma vez eu tinha me esquecido que eu estava no Ausländeramt,
onde as regras de respeito com o cidadão e preocupação com qualidade de
atendimento não se aplicam. Aparentemente eles não estão nem aí pro que o
público possa pensar deles. Esse descaso é generalizado e vai desde a mulher da
portaria, que bloqueiou meu acesso à sala de espera e disse que se eu quisesse
reclamar ia ter de esperar até às 8 horas, quando os funcionários chegassem,
que não sabia se eu iria ser chamada pra colocar minha reclamação e que se eu
quisesse esperar, ela pouco se importaria se eu esperasse sentada ali (e
apontou pro chão em frente a sala de espera), até à supervisora do
departamento, que me deixou esperando até 11 horas da manhã pra ouvir minha
reclamação e não a ouviu. No final das contas, quando ela estaria pronta pra me
receber, ouvi o rapaz da portaria fazendo uma ligação pra alguém, no qual ele
dizia que eu ainda estava ali e no final das contas, quando fui chamada achando
que ia poder falar com ela, fui encaminhada a uma sala na qual minha
carteirinha me foi entregue e depois o funcionário da portaria me sugeriu que
já que eu tinha pego meu documento, deveria deixar a reclamação pra lá.
Quer dizer, como estrangeira, eu não tenho direito de reclamar se um
serviço não me agrada, é isso? Devo me dar por satisfeita de ser tratada como
persona non grata e ser dispensada como uma criança impertinente para a qual se
dá um doce pra ela parar de chorar e não encher a paciência? É assim? Ahhhh,
isso é que vamos ver! Eles mexeram com a estrangeira errada! Sorri -
incrivelmente ainda consegui fazer isso apesar da raiva, da fome e da sede- e
saí dali elaborando meu plano de ação.
Cheguei em casa e contei a situação a meu marido, que ligou pra central
geral de atendimento dessa instituição (que é como uma central de atendimento
ao cidadão com vários departamentos do governo como Detran, secretaria de
segurança pública etc, tipo o SAC em Salvador) e perguntou como ele poderia
fazer uma reclamação formal contra o departamento de imigração. Me chame de
paranóica quem quiser, mas o som de uma voz falando alemão sem sotaque
estrangeiro, deu acesso a uma informação, que eu não pude ter pela manhã: a
reclamação poderia ser feita por email diretamente à supervisora. Conseguimos
nome, email e até o telefone da criatura sem maiores problemas. Meu marido
escreveu uma carta e eu escrevi outra. Nenhuma resposta depois de semanas.
Conversei com o repórter de um jornal de grande circulação aqui e um artigo foi
publicado sobre isso. Ele descobriu que a supervisora desse departamento pediu
demissão, porque estava em brigas constantes com o estado por causa da questão de
falta de pessoal. O porta voz deles explicou que eles estão em fase de mudança
de sistema e estão tentando solucionar o problema do número insuficiente de
funcionários. Eu consigo traduzir isso de duas formas diferentes em bom
português: “lenga, lenga, lenga, lenga” e “Tô nem aí, tô nem aí...” Quer
saber de uma? O melhor que eu tenho a fazer é virar alemã.
Ass. Christianne Heiligen
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