Há dez anos minha mãe foi diagnosticada com
Parkinson e com isso passou a fazer parte dos quase 14,5 % dos brasileiros que
tem necessidades especiais. Fazer parte desse grupo não é nada fácil. Exige
paciência, tolerância, grana e muito poder de se adaptar. Mas nem tudo é só
triste e negativo.Ter algum tipo de deficiência oferece também inúmeras chances
de reflexão e crescimento emocional e espiritual tanto para a pessoa, quanto
para seus familiares. Uma coisa muito difícil, no entanto é ver como além do
círculo familiar e dos amigos, muitas vezes rola uma falta de jeito das pessoas
ao lidar com pessoas com essas necessidades.
Isso fica bem claro, por exemplo, quando saio
com minha mãe por aí e vejo gente se impacientando quando ela está na fila
abrindo a bolsa pra pegar o dinheiro pra pagar algo. Nessas situações, chovem perguntas
e sugestões do tipo "Ajude ela!", "Abra a bolsa dela!"
"Você não sabe a senha dela, não? Digite aí pra ela!" "Pra que
você trouxe ela?" Nem sempre dá pra responder tudo isso na hora, por isso
eu vou tentar responder aqui.
Vou começar pelo mais óbvio. Existem tipos
diferentes de necessidades especiais e as formas dxs cuidadores ajudarem essas
pessoas devem ser compatíveis com o tipo de dificuldades que elas enfrentam. A
minha mãe, por exemplo, tem dificuldades motoras, mas seu raciocínio continua
em cima, ou seja, não tem porque eu atropelar seu poder de se expressar e
decidir nada por ela. Ela pode portanto, decidir se e quando quer ajuda e
solicitar se preciso.
Muitas vezes sem querer e cheios de boas
intenções, a gente acaba infantilizando e coisificando pessoas com necessidades
especiais. Como você se sentiria se alguém metesse a mão na sua bolsa e pegasse
seu dinheiro? Se alguém, mesmo que fosse de sua família, tomasse a sua frente
na hora de pagar e digitasse sua senha na maquininha? Se do nada, alguém
pegasse em qualquer parte do seu corpo?
Acho que todo mundo concorda que não se
faz nada disso com uma pessoa que não viva com nenhum tipo de deficiência por
pura questão de bom senso e respeito ao espaço pessoal do outro. Porque não
estender isso a quem tem necessidades especiais? Então eu pergunto se a pessoa
quer que eu ajude antes de ajudar, pergunto se eu posso pegar nela ou nas
coisas dela antes de pegar e se a pessoa diz "não" eu repeito. Acho
que isso responde porque em algumas situações eu não ajudo, não abro a bolsa ou
digito a senha da minha mãe.
A outra pergunta que me fazem muito,
"porque você trouxe ela?" tem muito a ver como o que eu acabei de
explicar também, mas vai além. Pessoas com necessidades especiais não devem
ficar trancadas em casa sentadas/deitadas na frente da TV, inertes como se
fossem parte do mobiliário da casa. Se elas podem de alguma forma se locomover,
devem fazê-lo, se podem cuidar de si mesmas, resolver suas coisas, idem.
Arrancar todas as tarefas e responsabilidades das mãos dessas pessoas, ao invés
de ajudar até atrapalha.Todo mundo gosta de se sentir no controle da própria
vida, não é mesmo? Isso sem contar que esconder certas pessoas em casa porque
elas não correspondem ao padrão que todo mundo gosta de ver, é coisa da era
medieval e do nazismo. Minha mãe gosta de sair, tem dificuldade de locomoção, é
adulta e tem contas a pagar. Por isso eu a levo mesmo e vou continuar levando
enquanto ela puder se mexer e quiser ir.
Hoje é Dia Nacional da Luta das Pessoas com
Deficiência. Vamos aproveitar essa data para refletir sobre a forma como
tratamos essas pessoas. A inclusão delas na sociedade passa por, mas vai muito
mais além que construir rampas de acesso a transporte e locais públicos. É também
(e talvéz em primeiro lugar) uma questão de passar aceitar que essas pessoas,
assim como todos nós, querem ser tratadas com respeito, tem direito e querem
administrar as próprias vidas quando possível e com suas habilidades variáveis,
conseguem fazer algumas coisas e não conseguem ou tem dificuldade de fazer
outras. E o que é isso senão absolutamente normal?