quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Bye, 2018. Já vai tarde.


Em algum momento depois da virada do ano para 2018, eu sentei num cantinho da festa e acabei pegando no sono e tendo um sonho super esquisito. Algumas pessoas queriam arrumar a casa, enquanto outras se comportavam de forma super agressiva e pareciam querer atrapalhar de propósito. No meio do caos, tinha gente que tentava sair de fininho, outros olhavam ao redor sem saber o que fazer, aparentemente tão perdidas quanto eu. 
Imagem: Pixabay



“Digam alguma coisa! Se posicionem!” Gritavam alguns. Tinha gente que do nada começava a insultar as outras pessoas e eu não conseguia entender exatamente o porquê. Tinha sangue espalhado por toda parte. Muita gente chorava, algumas foram machucadas de verdade e se espremiam acuadas no canto enquanto outras berravam “Chama fulano! Só ele mesmo pra dar um jeito nessa bagunça aqui”. “Ele não!”, revidavam outras. 


Tentei conversar com algumas pessoas, mas o barulho era insuportável. Todo mundo falava ao mesmo tempo e as conversas não faziam muito sentido. Ninguém parecia saber ao certo como tínhamos parado ali. Decepção, tristeza, agressividade e confusão pairavam no ar.


De repente eu acordo, olho pro calendário e me dou conta de que era dezembro de 2018 e de que tudo não tinha passado de um sonho. Quem dera! 2018 foi esse pesadelo confuso. Só que com o triste detalhe de que seus acontecimentos estranhos tomaram forma real e não dá pra simplesmente acordar dele e esquecer.

Sendo assim, só posso desejar que ele termine logo. Que ele se vá para que o novo ano possa chegar e, com ele, talvez mais energia, organização, calma, clareza e solidariedade.


Ninguém solta a mão de ninguém.


Acho que vamos precisar, e muito, disso.
Imagem. Pixabay


Revisão: Nina Hatty (muito obrigada!!)

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Como virei professora de alemão

Todo mundo me conhece como professora de inglês. O que poucos sabem é que, há dois anos, eu resolvi encarar mais um novo desafio na minha vida: o de ensinar alemão como segunda língua. Desde que resolvi explorar essa nova possibilidade profissional, foram muitas novas histórias e aprendizados e eu gostaria de dividir alguns deles aqui com vocês. Mas deixa eu contar primeiro como foi que essa coisa de ensinar alemão começou pra mim.
Imagem: Pixabay

Tudo aconteceu meio de repente. A guerra no Oriente Médio e diversos problemas socioeconômicos pelo mundo afora deram impulso a mais uma gigantesca onda migratória para a Europa Central. Essa onda migratória atingiu um pico em 2015. De repente, a Alemanha se viu tendo de dar conta de receber milhares de pedidos de asilo de uma vez e, com isso, tendo de encontrar profissionais das mais diversas áreas para dar conta de uma estrutura que atendesse a tanta gente nova chegando. A minha profissão foi a primeira que entrou em demanda rapidamente. 
Imagem: Pixabay
Ainda hoje, estima-se que Bremen precise de mais 350 professores para suprir o número de professores necessários para dar conta da formação dessa criançada nova que está entrando no sistema escolar. Uma das matérias que precisa ser aprendida com mais urgência nas escolas é obviamente o alemão, por ser a porta de entrada para absolutamente todo o resto. Por isso praticamente todo professor virou um potencial professor de alemão como segunda língua.


Lá pro final de 2015, bem no momento em que o número de pessoas chegando aqui em busca de refúgio chegou a atingir a marca de uns 6.000 por dia, eu resolvi me candidatar a uma vaga de emprego como professora de inglês na secretaria de educação de Bremen. Fui chamada para a entrevista feliz da vida, sem nem imaginar o que aconteceria depois. 

No meio da entrevista, comecei a perceber que o entrevistador me perguntava demais sobre como foi meu próprio processo aprendendo alemão e depois queria saber se eu teria a flexibilidade, se fosse necessário, de ensinar essa língua também além do inglês. Disse que sim, porque achei que o cara tava de brincadeira, fazendo uma dessas perguntas hipotéticas de entrevista de emprego, até mesmo porque ele estava me ouvindo falar e eu não achava (e pra falar a verdade ainda não acho) que meu alemão seja assim tão brocador e confiável a ponto de levar alguém a achar que dá pra ensinar. 

Vocês podem imaginar a surpresa que tive quando eles me chamaram dizendo que queriam me contratar, mas em primeira linha para ensinar alemão. Primeiro me tremi toda. Perguntei se tinha sido engano. Não era, estavam seguros e era isso mesmo. Me deram um tempo pra pensar e acho que aquela semana foi a mais demorada que já vivi na minha vida. Ia e voltava o tempo todo na decisão. 

Imagem: Pixabay

Até que chegou o dia de dar a resposta e eu ainda não sabia o que diria. Sentia um frio na barriga todas as vezes que me imaginava entrando na sala de aula, olhando para a cara daquele monte de adolescente e me apresentando como sua professora de alemão. Sentia muito medo, mas não sabia exatamente de quê. Até que chegou o dia da ligação na qual eu teria de comunicar minha decisão. 

Poucas horas antes, estava convencida a rejeitar o trabalho. Dizia para mim mesma: “Você mesma não sabe falar direito a língua, como quer se meter a ensiná-la?”; “Vai ficar muito claro que você não tem competência pra ensinar alemão. Vai se queimar feio.”; “Pra que procurar esse tipo de sarna pra se coçar? Recuse educadamente, deixe bem claro que você é professora de inglês, fale que, se aparecer outra oportunidade desse tipo, você estará às ordens.”; “Muitos alunos virão com história de traumas, muitos terão contato com escola agora pela primeira vez. Você não tem experiência para lidar com esse tipo de classe.”; “A estrutura das aulas por aqui é diferente daquelas com as quais você é acostumada. Vai ser difícil se adaptar ao conceito pedagógico daqui.”; “São muitas novidades ao mesmo tempo. Você vai enlouquecer!” Repetia todas esses argumentos mentalmente para poder recusar com firmeza e para não deixar brechas para possíveis insistências.

Preparadíssima para a hora da verdade, fiz a ligação. Fui atendida por uma funcionária muito simpática do RH que peguntou meu nome. Quando e falei ela imediatamente puxou papo. Queria saber se eu era portuguesa ou espanhola. Disse que era brasileira, mas que falamos português no Brasil. “Ah que interessante”, disse ela, e continuou com uma certa conversinha fiada, provavelmente para quebrar o gelo. 

De repente a conversa dela pendeu pra direção do trabalho, das aulas, do que seria esperado de mim. A partir daquele ponto, ela começou a conduzir a conversa de forma bem estruturada, do jeito que alemão gosta e, antes de ir direto ao ponto, resumiu: “A senhora passou no processo seletivo e nós gostaríamos de lhe oferecer um contrato assim, assim, assim, mas como o trabalho tem esses prós e esses contras, resolvemos oferecer-lhe uma semana pra que a senhora pensasse e decidisse se realmente se imagina trabalhando conosco.” 

Enquanto ela listava os aspectos positivos e negativos do trabalho, me dei conta de que estava ouvindo aquilo tudo de uma forma diferente. Parecia que estava ouvindo a lista dos prós pela primeira vez e, de repente, minha lista de argumentos contra parecia meio fraquinha. 

No meio disso tudo, uma frase dela ficou martelando minha cabeça: “Tem todos esses desafios, no entanto é uma função super importante, porque dominar a língua vai ser o trampolim que eles precisam para poder se integrar nessa sociedade. Para muitas famílias, a senhora será o único contato com a sociedade alemã, já que muita gente vem pra cá sem ter ninguém. A senhora estará ajudando a mudar a vida de muitas pessoas.” 
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Enfim, chegou a hora da verdade: “E então? Agora gostaria de saber o que a senhora decidiu. Ou ainda teria alguma pergunta a que eu possa responder?”

Nem acreditei na resposta que saiu de mim, sem que eu tivesse tido tempo de titubear:
-“Sim. Quando começo?”

Imagem: Pixabay

  
Revisão: Nina Hatty

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Vale a pena ensinar


Queria ter voltado aqui há muito tempo pra escrever sobre a volta às aulas. A volta às aulas aqui em Bremen se dá em agosto. O tempo que voa, junto às milhões de obrigações da vida acabaram me impedindo de postar algo antes, mas acabou que esse texto vai chegando aqui em boa hora. É que hoje é dia de celebrar a nós professores e professoras e é sobre meu trabalho mesmo que eu quero falar.
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Contando minha experiência de sala de aula entre Salvador e Bremen, já se passaram uns 20 anos. Passei metade de minha vida em salas de aulas lá na terrinha e aqui na terra adotiva. Ensinar aqui e lá tem muitas semelhanças e diferenças. Já falei um pouco sobre isso aqui e aqui. Se vocês quiserem, posso contar mais das minhas experiências com ensino, mas hoje eu queria mesmo era falar de como eu me sinto como professora.
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Eu sempre fui meio mandona e faladeira. Quando criança eu tinha certeza que isso bastava para comandar uma sala de aula e sempre soube que era isso que eu queria ser quando crescesse. Na minha adolescência sofri uma certa pressão para que repensasse minha escolha. Os argumentos eram sempre que professora é uma classe profissional humilhada, que muito trabalha, tendo de se submeter às piores condições de trabalho e ganhar pouco. Só estando muito louca pra querer trabalhar com isso. Parece que eu estava realmente pirada porque prestei vestibular para Letras, entrei de corpo e alma nos estudos e na vida profissional e desde lá minhas escolhas profissionais só me enchem de orgulho. 


Não quero dizer que minha profissão é um mar de rosas e que tudo é lindo e maravilhoso. O que acontece é que todo mundo tá careca de saber todos os motivos pelos quais é difícil ser professora. Menos discutido, no entanto, são as razões pelas quais essa profissão faz sentido. É nisso que eu quero focar aqui. Eu apresento a vocês 5 razões pelas quais eu amo ser professora.
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 1. É uma profissão com possibilidades múltiplas


Em 20 anos de sala de aula já trabalhei com crianças de diversas idades, com adolescentes, adultos no auge da vida profissional e com os que já se aposentaram. Você pode ensinar a mesma matéria em uma escola, em um centro comunitário, em uma empresa, em uma cadeia, em uma faculdade e todas essas aulas serão diferentes. Assim como é bem diferente ensinar inglês ou português ou ensinar uma língua como lingua estrangeira, como segunda língua ou como língua materna. Você pode dar aulas a grupos ou a indivíduos. As possibilidades são múltiplas. Quase tão plurais quantos os perfis dos grupos para os quais se ensina.


2. É um belo exercício de criatividade

Toda aula é como uma excursão. O objetivo é pegar os alunos e alunas lá onde estiverem e partirmos todos juntos em direção a um lugar onde esperamos ver e experimentar coisas diferentes. Ao final da viagem, a esperança é de podermos sair desse lugar tendo aprendido algo. Organizar essa excursão exige uma imensa dose de criatividade. Claro que depois de um tempo a gente adquire experiência e a preparação de uma aula se torna mais rápida. Podemos recorrer a nossas atividades já testadas e aprovadas. Mas, mesmo assim, nós ainda temos de buscar formas de fazer com que a sequência de atividades em uma aula siga uma lógica clara, e que haja um equilíbrio entre serem desafiadoras e estimulantes, porém executáveis. Muitas vezes é difícil imaginar quanto trabalho e raciocínio estão por trás de uma aula que flui tranquilamente, onde as coisas se encaixam bem e o aprendizado acontece de forma natural. 

3. É fonte de contato com pessoas e experiências diferentes


A sala de aula me deu oportunidade de conhecer pessoas que eu provavelmente jamais conheceria se eu tivesse tomado outro rumo profissional. Todo ano acabo conhecendo dezenas de pessoas diferentes. Já tive a oportunidade de ensinar pessoas das mais diferentes profissões, com as mais distintas situações de vida, expectativas, sonhos e histórias pra contar. Cada pessoa que já tive o prazer de ensinar me ensinou também um pouco dela mesma e, ainda que depois de alguns anos eu esqueça alguns nomes ou rostos (o tempo e a idade são fogo...) as histórias e perspectivas de cada pessoa que já ensinei influencia meu próprio jeito de ver as coisas. Isso definitivamente torna meus alunos e minhas alunas pessoas inesquecíveis. Essa possibilidade de troca com outras pessoas faz de minha profissão uma das mais interessantes do mundo. 

4. É um estímulo para o intelecto


Acompanhar outras pessoas em seus processos de aprendizagem acaba fazendo com que a gente aprenda muita coisa também. Todo mundo conhece aquela máxima que diz que se aprende melhor ensinando. Mas o que eu já aprendi através de minhas aulas e por causa de meus alunos e de minhas alunas vai ainda mais além. A gente tem de dominar bem o assunto que está ensinando, tentar prever que dúvidas e problemas irão surgir e já ir atrás das soluções só por precaução. Como se não bastasse isso, temos de estar prearad@s para responder às perguntas mais cabeludas que vão surgindo no meio do caminho. Não que eu como professora me sinta obrigada a ter todas as respostas do universo, mas é esperado de nós saber como e onde procurar pelas respostas. Essa constante busca pelas explicações e soluções mantém nossas mentes atentas e flexíveis. À medida que minha experiência de sala de aula aumenta, aumenta também minha habilidade de compreensão das coisas e isso é grandioso.

5. Me ajuda a ampliar minha visão de mundo e das pessoas


A possibilidade de conhecer pessoas diferentes, da qual eu já falei aí em cima, contribui com um outro fator de extrema importância para mim: aumenta a minha empatia e sensibilidade com o outro. Desde que comecei a ensinar, percebo que tenho me tornado cada vez mais tolerante com as pessoas e faço um exercício constante de não fazer julgamentos precipitados sobre elas. Claro que nós professores e professoras também podemos ser injust@s e intolerantes, mas a nossa profissão nos oferece, constantemente, oportunidades de reavaliar nossas posturas e de nos mantermos atent@s para tratar as pessoas de forma justa e respeitosa.

Imagem: Pixabay

Isto é apenas uma pequena parte de uma lista de razões pelas quais eu amo o que eu faço. Eu poderia também listar aqui uma série de motivos pelos quais a minha profissão é cansativa e frustante, mas só acho que em um momento de tanta confusão, de clima geral de depressão e más notícias é importante levantar nossa autoestima. Eu realmente acredito, sem um pingo de falsa modéstia ou demagogia, que eu tenho uma das profissões mais importantes do mundo. Nós professores e professoras representamos a ordem em meio ao caos. Nós ajudamos pessoas a ampliarem seus conhecimentos, suas visões de mundo e a se desenvolver como seres humanos. Isso são conquistas que serão para sempre suas, independentemente de toda a confusão que estiver acontecendo ao seu redor.


Portanto, tire um tempinho de seu dia hoje e agradeça a seus professores e suas professoras por este presente maravilhoso.


De nada!


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