terça-feira, 20 de novembro de 2012

Virando alemã - parte 1- Bem aguda



No início do ano dei início a um processo que está aos poucos chegando ao fim. O processo de virar alemã. Depois de ter dado entrada no pedido de cidadania, como sempre nessas coisas, teve uma fase de esperar, até que finalmente recebi a cartinha que dizia que meu processo tinha sido concluído, que eu poderia me considerar alemã e que deveria ir buscar o certificado que eu precisaria pra dar entrada no meu novo passaporte e carteira de identidade. Fui às alturas de felicidade, não pela cidadania em si, porque pra mim não faz nenhuma diferença qual a cor de meu passaporte, mas simplesmente porque foi uma caminhada curiosa e muitas vezes difícil até conseguir chegar aqui.

Mas o dia chegou, fui lá pegar meu papel e encontro uma funcionária pública sisuda e meio mau-humorada. Coisa normal nas repartições públicas daqui. Aliás daqui só não, do mundo inteiro. Mas a sisuda funcionaria que me atendeu, foi como sempre super eficiente carimbando aqui e ali, dando um milhão de cliques por segundo em seu computador e me entregando brochuras e comunicados com recomendações de que eu lesse tudo depois com bastante cuidado e que revisasse cada palavra atentamente antes de assinar. Seguindo sua recomendação, li com todo cuidado do mundo e foi aí que eu descobri o erro. Estava ali impresso, tornando meu nome meio esquisito, um acento agudo em cima do "s" de meu primeiro nome.

Informei a funcionária do erro só pra ver seu semblante se transformar de sisudo para o verdadeiro retrato do pânico. E aí começou a sequência de situações surreais do tipo "contando-ninguém-acredita" que fazem parte da minha rotina aqui e sem as quais esse blog não existiria e minha vida com certeza seria mais paradona.


"Tem certeza?" ela me pergunta.  E eu fico a princípio sem saber se era sério ou gozação, mas como funcionário de repartição pública alemã não é muito dado a gracinhas, fico certa de que ela está mesmo falando sério e achando que entre nós duas, eu sou a que mais provavelmente erraria a grafia de meu nome. Do jeito que eu sou, eu até concordaria com ela, porque eu estou entre as 10 pessoas mais distraídas, esquecidas e destrambelhadas do universo. Mas tenha santa paciência. Era meu nome! Que eu venho assinando há 36 anos, diga-se de passagem. Eu não poderia ter escrito com um acento agudo no "s". Poderia? Não. Me poupe!


Tentei fazer uma brincadeirinha e disse a ela que nem se eu quisesse que meu nome tivesse um distinto acento agudo em qualquer consoante que fosse, que minha lingua portuguesa não me daria essa licença. Cristiane pode até ter "h", mas acento nenhum. "Mas existem línguas nas quais esses acentos existem" insistiu a então desesperada funcionária. Eu acho que ela estava nervosa, como se aquele tivesse sido o primeiro erro de toda sua vida, por isso com toda calma do mundo eu expliquei que eu estava ciente do fato. Muitas línguas permitem acentos agudos, e até cedilhas nos ésses, mas não era o meu caso. Tudo que eu queria saber era se uma correção seria possível. Não sou cri-cri. Muito pelo contrário. Um dos lemas principais de minha vida é "quanto mais esquisito melhor", mas eu precisaria daquele documento pra fazer meu novo passaporte e nem todo mundo nas fronteiras do mundo acha legal quando uma pessoa tem vários documentos com seus nomes escritos de formas diferentes em cada um deles.


Aprendi com minha mãe que quando se vai a uma repartição pública, o melhor mesmo é levar TODOS os documentos que possam remotamente ser de interesse para aquele caso específico. No geral quando o funcionário percebe que você tem em mãos todos os documentos desde seu nascimento até aquele dado instante, ele fica menos interessado em tentar descobrir se tem alguma forma de te mandar embora sem resolver seu problema e portanto acabam desistindo e adiantando seu lado sem maiores chateações. Comecei então a tirar todos os documentos possíveis de minha pasta para mostrar a ela que não existia nenhma possibilidade de que meu nome um dia tivesse sido escrito com aquele acento e foi aí que ela encontrou a coisa que fez sua fisionomia brilhar no maior sorriso que aquela repartição já viu: Tarnowskie Góry.


Tarnowiskie Góry é uma cidadezinha no sul da Polônia, que só tem um pouquinho a ver com minha história de vida por ser o local de nascimento de meu esposo. Somente por isso, essa palavra pode ser achada em minha certid
ão de casamento e deve ter sido também a situação na qual um acento agudo esteve mais perto de meu nome. E isso foi motivo de júbilo para a mulher que me atendeu. "Tá vendo aí que esse acento existe!" celebra a funcionária.

A essa altura do campeonato eu, que deveria já estar irritada, comecei foi a sentir uma onda de simpatia pela coitadinha. Provavelmente aquela constatação de que línguas diferentes possuem acentos diferentes em letras diferentes foi o ponto alto de sua semana e talvéz o seu maior contato com outro universo linguístico. Fiquei com vontade de consolá-la e dizer a ela, que os acentos são como chaves mágicas que abrem as portas pra um universo colorido e multicultural. Mas como eu ainda precisava de um passaporte no qual meu nome estivesse escrito como no meu registro de nascimento, tive de abrir mão da nova grafia de Cristiane e insistir que ela tirasse aquele bendito acento e me transformasse novamente em Cristiane, bem simples, sem "h", sem "y" e pelamordedeus, sem acento no "s", o que ela recusou, não tanto por causa da sua insana teoria linguística sobre acentuação, mas sim baseada em um argumento sujo e desagradável. Mas essa estória eu conto semana que vem.

Por enquanto vou assinando assim:
Criśtiane (impossível até em Polonês, mas se demorar muito vou acabar gostando...)