terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Só os alemães são felizes

Vocês não vão acreditar no que me aconteceu na última vez que eu fui ao Departamento de Imigração daqui.  Tá com tempo? Deixa eu contar, então. Depois que de receber um visto permanente aqui na Alemanha, você ganha um adesivo em uma das páginas de seu passaporte. Á partir de 01 de setembro desde ano, o departamento de imigração passou a adotar um outro formato pra isso. Ao invés do adesivo, a gente recebe um negócio do tamanho de um cartão de crédito, parecidíssimo com a carteira de identidade alemã.

Mas cedo ou mais tarde, todo mundo vai ter de ter essa coisa, por isso resolvi adiantar logo meu lado e fazer esse cartão. Pra isso tive de ir à ante-sala do inferno. Quer dizer, ao Ausländeramt (Departamento de Imigração). Me espantei quando cheguei lá, recebi uma senha e dei entrada na minha nova identidade sem ter que esperar uma manhã inteira e sem ter sido tratada como marginal. Agradeci ao universo, elogiei a funcionária numa tentativa de oferecer reforço positivo para esse novo tipo de comportamento e encorajar o bom atendimento. Mal sabia eu que estava me precipitando em ser tão generosa em meus elogios. 

Duas semanas depois, recebo uma carta deles me informando que a identidade estava pronta e que eu deveria ligar, marcando um horário pra retirá-la. Fantástico! Comecei a achar que realmente a política de Bremen estava começando a perceber o quanto era importante investir no bem estar de seus cidadãos independentemente de suas origens, afinal de contas a cor dos olhos e das peles podem até variar, mas as cores das notas dos euros pagos em impostos dos alemães e dos estrangeiros são iguais. Durante dois dias seguidos tento entrar em contato com eles pra marcar um dia pra pegar o documento. Dois dias de ligações constantes e obstinadas em horários diferentes do dia e nada. Ninguém nem se dava ao trabalho de atender o telefone. Nem uma gravação mandando aguardar, nem uma caixa postal na qual eu pudesse deixar um recado. Resolvi acordar cedinho no dia seguinte e ir lá. Esse departamento abre as 8:00 da manhã, meia hora depois estava lá. Poucas pessoas na sala de espera, “cheguei em boa hora”, pensei animadinha. Minha animação foi logo, logo substituida por horror, quando o funcionário que entrega as senhas de atendimento me informou que as senhas pra aquele dia tinham acabado e que eu deveria voltar no dia seguinte as 6:30 da manhã. 

“É o que? Pirou o cabeção, foi?” foi o que pensei. Se vocês sabem com as coisas funcionam aqui na Alemanha, vão entender o porquê de minha reação. Os alemães são conhecidos na Europa inteira por serem eficientes, confiáveis, trabalhadores sem serem obsessivos, mas cumpridores  de suas obrigações e implacáveis seguidores da ordem. Essa coisa de ir pra fila de madrugada, acampar na frente do prédio pra pegar ficha é coisa impensável por aqui. Afinal de contas se existe uma forma eficiente de se resolver um problema, os alemães com certeza já a estão usando, acreditem. E resolver o problema de muita gente querendo ser atendida é muito fácil. Tudo quanto é de serviço que você precise, toda informação que você desejar obter, qualquer problema que você possa imaginar, pode ser solucionado aqui por telefone, por e mail ou marcando um horário. Você chega na sua hora, é super bem atendido e nem fica estressado nem estressa ninguém.

É, mas isso não se aplica ao Ausländeramt. Lá o que se observa é que não há uma preocupação tão grande em se oferecer serviços de qualidade, como se os usuários desses serviços não compensassem o trabalho que eles tem de fazer. O departamento de imigração aqui tem poucos funcionários, a maioria mau humorada e completamente despreparada pra lidar com pessoas diferentes deles. Quase ninguém fala inglês e se fala, finge que não fala. Por isso o que se observa lá é de arrepiar os cabelos. E não deu outra. Tive de engolir esse sapo e voltar no dia seguinte às 6:30 só pra ser informada que, outra vez, eles não tinham mais senha. Como geralmente aqui na Alemanha reclamações são levadas a sério e normalmente todo aquele que oferece alguma espécie de serviço se preocupa com o que a opinião pública pensa sobre eles, resolvi manter a calma e dizer “Ok, eu quero então registar uma reclamação formal.”

Só que eu mais uma vez eu tinha me esquecido que eu estava no Ausländeramt, onde as regras de respeito com o cidadão e preocupação com qualidade de atendimento não se aplicam. Aparentemente eles não estão nem aí pro que o público possa pensar deles. Esse descaso é generalizado e vai desde a mulher da portaria, que bloqueiou meu acesso à sala de espera e disse que se eu quisesse reclamar ia ter de esperar até às 8 horas, quando os funcionários chegassem, que não sabia se eu iria ser chamada pra colocar minha reclamação e que se eu quisesse esperar, ela pouco se importaria se eu esperasse sentada ali (e apontou pro chão em frente a sala de espera), até à supervisora do departamento, que me deixou esperando até 11 horas da manhã pra ouvir minha reclamação e não a ouviu. No final das contas, quando ela estaria pronta pra me receber, ouvi o rapaz da portaria fazendo uma ligação pra alguém, no qual ele dizia que eu ainda estava ali e no final das contas, quando fui chamada achando que ia poder falar com ela, fui encaminhada a uma sala na qual minha carteirinha me foi entregue e depois o funcionário da portaria me sugeriu que já que eu tinha pego meu documento, deveria deixar a reclamação pra lá.

Quer dizer, como estrangeira, eu não tenho direito de reclamar se um serviço não me agrada, é isso? Devo me dar por satisfeita de ser tratada como persona non grata e ser dispensada como uma criança impertinente para a qual se dá um doce pra ela parar de chorar e não encher a paciência? É assim? Ahhhh, isso é que vamos ver! Eles mexeram com a estrangeira errada! Sorri - incrivelmente ainda consegui fazer isso apesar da raiva, da fome e da sede- e saí dali elaborando meu plano de ação.

Cheguei em casa e contei a situação a meu marido, que ligou pra central geral de atendimento dessa instituição (que é como uma central de atendimento ao cidadão com vários departamentos do governo como Detran, secretaria de segurança pública etc, tipo o SAC em Salvador) e perguntou como ele poderia fazer uma reclamação formal contra o departamento de imigração. Me chame de paranóica quem quiser, mas o som de uma voz falando alemão sem sotaque estrangeiro, deu acesso a uma informação, que eu não pude ter pela manhã: a reclamação poderia ser feita por email diretamente à supervisora. Conseguimos nome, email e até o telefone da criatura sem maiores problemas. Meu marido escreveu uma carta e eu escrevi outra. Nenhuma resposta depois de semanas. Conversei com o repórter de um jornal de grande circulação aqui e um artigo foi publicado sobre isso. Ele descobriu que a supervisora desse departamento pediu demissão, porque estava em brigas constantes com o estado por causa da questão de falta de pessoal. O porta voz deles explicou que eles estão em fase de mudança de sistema e estão tentando solucionar o problema do número insuficiente de funcionários. Eu consigo traduzir isso de duas formas diferentes em bom português: “lenga, lenga, lenga, lenga” e  “Tô nem aí, tô nem aí...” Quer saber de uma? O melhor que eu tenho a fazer é virar alemã.

Ass. Christianne Heiligen

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Teste de otimismo

Quando vim pra Alemanha pela primeira vez, não tinha grandes expectativas nem pra mais nem pra menos. Conhecia os fatos históricos e geográficos que todo mundo conhece e era só isso mesmo. Depois de meu primeiro ano vivendo aqui, voltei ao Brasil pra visitar minha família e a pergunta que mais tive de responder foi “Cris, como é essa coisa do racismo por lá?” Essa pergunta dá pano pra manga, viu…

Primeiro porque com ela fica logo muito claro que os alemães se enganam completamente quando acham que sabem o que o mundo pensa deles. Meus amigos alemães se chateiam porque acham que a primeira imagem que o mundo associa à Alemanha, é sempre a da Oktoberfest na Bavária, quando na verdade, pelo menos no Brasil a primeira coisa que vem à cabeça é mesmo Hitler e o massacre aos judeus durante a Segunda Guerra Mundial. 
 
Acho uma pena isso de verdade. Os alemães que vivem aqui hoje não foram responsáveis pelos erros do passado, que aconteceram aqui nesse território. O que aconteceu aqui poderia ter acontecido em qualquer lugar do mundo, mas os pobres coitados tem de viver com isso até hoje. É pesado. E de forma injusta, porque pra falar bem a verdade, e aproveitando pra mais uma vez responder à pergunta que me foi feita inúmeras vezes, eu tenho mais episódios de racismo e descriminação pra contar de Salvador do que daqui. Sinceramente, a maioria dos alemães nascidos aqui ou não(1), que eu conheci até então foram sempre pessoas muito agradáveis que se não podiam ajudar, também não atrapalhavam ou que realmente fizeram questão de me fazer sentir em casa na terra deles. Infelizmente muitos deles não vão poder ler esse post, mas a todas essas pessoas que cruzaram meu caminho por aqui, tendo elas virado minhas amigas ou não, vielen herlichen Dank(2) por terem me acolhido tão bem. 

Claro que aqui tem racismo e preconceito de todos os tipos também. Ultimamente a mídia aqui não para de divulgar casos de grupos nacional-extremistas, ativos em todo o país, atacando estrangeiros e seguidores do islamismo. Não descarto a possibilidade de escrever um post sobre isso no futuro, mas sinceramente: grupos de malucos terroristas com ideologia estranha que resolvem usar de violência contra os outros não é exclusividade daqui. Não acho que seja um problema cultural e sim um problema psiquiátrico e educacional que algumas pessoas tem. Ou seja, os alemães que uma pessoa normalmente encontra ao vir pra cá no dia a dia, são pessoas comuns que podem sem chatas ou divertidas, sinceras ou falsas, inteligentes ou limitadinhas,  super internacionais ou que vivem agarradas à suas origens, ou seja, pessoas especiais em alguns aspectos e normalíssimas em outros iguaizinhas a mim ou a você. Os alemães que eu encontro por aqui diariamente sorriem para mim quando nossos olhares se cruzam, me cumprimentam com educação e nunca me fazem duvidar que Bremen é minha casa.

Mas quero deixar bem claro que quando falo dessas pessoas, não me refiro de maneira alguma nem ao governo alemão, nem aos seus burocratas e suas repartições públicas. O departamento responsável pelos estrangeiros aqui em Bremen, sempre fez um excelente trabalho em me fazer sentir indesejada, diferente, estranha e estrangeira, como um ser inferior em uma das maiores potências mundiais. Triste, mas é verdade. Amo Bremen, minha vida aqui, meus amigos aqui, os alunos e colegas da escola onde trabalho. Mas toda vez que vou ao famigerado Ausländeramt (3), fico com vontade de ir correndo pra o aeroporto e voltar imediatamente pro Brasil, chorando pro colo de meus pais. 
 
Essas idas à essa repartição são tão desgastantes e humilhantes que são capazes de fazer explodir qualquer bolha de otimismo e de forçar qualquer um não só a tirar como também pisar e esmagar seus óculos cor de rosa(4)
 
Felizmente as visitas a essa filial do inferno não precisam ser longas nem frequentes, mas são suficientes para destruir o bom humor de qualquer um e pra fazer qualquer pessoa duvidar que a humanidade é capaz de fazer o bem. E esse sentimento pode durar semanas. Queria ver se Pollyanna seria a mesma depois de passar por eles. Duvido.
__________________________________________________________________________________ 
(1) Tem muita gente que nasceu aqui, mas que não se considera alemão de jeito nenhum. 

(2) Muito obrigada do fundo do coração.

(3) Departamento do imigração.

(4) Fiz uma brincadeira com a expressão idiomática da língua alemã "rosarote Brille tragen". Usar óculos rosa-vermelho é a tradução literal e bizonha. Essa expressão significa que a pessoa não vê a realidade como ela de fato é, e sim como se tudo fosse muito melhor e positivo. Enfim, tudo rosinha ou vermelhinho como nos óculos.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

79 dias

Minha estadia no Brasil esse ano chegou ao fim. Foram muitas alegrias, muitas cervejas, muitas farras, muitos encontros com amigos, muitas comidas deliciosas, muitos quilinhos a mais. Alguns aborrecimentos também, né? Fazer o quê? Assim é a vida. Mas quer saber? Foram 79 dias genuinamente felizes. Feliz pela certeza de que muitas pessoas amadas poderiam ser alcançadas com apenas uma ligação local. Feliz de poder estar perto, beijar, abraçar e ouvir suas vozes enquanto olhava em seus olhos.

Esse tempo maravilhoso, passou super rápido e tão devagar ao mesmo tempo. Curti meus dias aqui ao mesmo tempo que senti uma saudade enorme de minhas pessoas queridas em Bremen. Queria que o dia de voltar nunca chegasse ao mesmo tempo que contava os dias pra ele chegar. Foi uma espécie de “foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos.” Coisas de ser humano que sempre fica querendo o que não tem. 

Só pra pra deixar bem claro: eu amei meus quase três meses de Brasil. Cada minuto com meus amigos  foi especial Mas agora quero mesmo é usar as palavras de Chico com pequenas adaptações: pode ir preparando aquele Kohl und Pinkel, coloca uma Weizen pra gelar porque eu estou voltando!

domingo, 11 de setembro de 2011

Criança feliz



Tudo me lembra criança esse mês.  Não por causa do celebrado dia delas, até porque pelas bandas de cá isso não existe. Tudo me faz pensar em criança no momento porque revi meus afilhados, que estão lindos e enormes e porque K, minha maravilhosa girlfriend, está curtindo uma gravidez planejadíssima e super desejada.



Mas ser criança aqui na Alemanha também é um assunto legal de futucar pra descobrir as semelhanças e diferenças entre culturas. A maior delas, eu acho que é o fato de que no Brasil, a criança é mais celebrada do que aqui. Além de um dia pra se comprar presentes para elas, existe uma acordo tácito de que é proibido não gostar de criança. Aqui não só tem muita gente que não gosta como também não há nenhum grande tabu em se dizer isso em qualquer lugar sem nenhum constrangimento. Uma declaração do tipo "Não quero nunca ter filhos" que horroriza muita gente no Brasil e inicia calorosos debates sobre as maravilhas da maternidade, é tratada com uma grande naturalidade por aqui. Tem um monte de gente casada há milênios que resolve não ter filhos e não tem mesmo. Normal.



A Alemanha é famosa por ser um país bem velho e talvéz essa escascez de criança seja uma das razões pelas quais as pessoas aqui são menos tolerantes do que no Brasil com os pequenos. É raro se ver gente fazendo bilúbilú pra um bebê qualquer que não conhece. Uma mãe empurrando um carrinho de bebê, segurando uma outra criança pela mão e carregando um saco de compras, nem sempre desperta nas pessoas o desejo de levantar e oferecer o lugar no ônibus. Na verdade, eu diria que não desperta nenhum tipo de sentimento. Aqui os corretores listam como desvantagem o fato de um imóvel estar localizado muito próximo a uma escola. Muito barulho; é como justificam a desvalorização. Tem lugares que aceitam animais, mas não aceitam crianças, muita gente se incomoda com elas em restaurante, no mesmo andar do hotel, com os papos de pai e mãe contando estórias sobre seus filhos. E elas literalmente desaparecem das ruas depois das 18:00 horas. Sério mesmo: há oito anos estou aqui e vi somente uma única vez, um casal com um carrinho de bebê na rua depois das 18:00. Eram 20:00 horas e todo mundo que passava por eles lançava uns olhares fulminantes de condenação.



Talvéz por isso, muita gente acaba se isolando do mundo depois que tem filho. É uma faca de dois gumes: Por aqui é muito mais comum achar gente que muda de personalidade depois de ter filho. Muita gente fica chata e sem assunto nenhum que não seja relacionado a bebê. Mas por outro lado o fato de que nem a sociedade é muito receptiva e nem os amigos dão muita chance às pessoas socializarem com seus filhos junto, tornam as coisas mais complicadas.



Em termos de educação é que eu acho muito legal o que eu vejo por aqui. As crianças alemães são muito mais independentes do que as brasileiras. Ainda bem pequenininhas, elas andam ao lado de suas mães sem necessidade de dar a mão. Muitas vezes elas vão é de bicicleta mesmo, as mães na frente e elas atrás como patinhos seguindo a mamãe pata. Elas são educadas desde cedo a serem bem independentes, questionadoras e decididas. Desde cedo escolhem as próprias roupas, ganham mesada pra saber administrar dinheiro e são estimuladas a assumir pequenas tarefas em casa. Marcus, meu afilhadinho quando tinha 4 aninhos, passou um fim de semana aqui em casa e nessa ocasião, me surpreendia por minuto. Sua pouca idada não o impediu de me dizer exatamente quais as comidas que gostava e não gostava, o que ele queria assistir antes de dormir, o que ele queria do supermercado (somente um suquinho e um biscoito - quando eu tinha dado opção ilimitada) e quando eu peguei um chapéu qualquer pra ele colocar porque estava frio lá fora, ele disse que queria o outro porque era mais "cool". 

  

Tenho vários amigos que tem filhos e entre eles sinto uma tendência mais flexível do que a do resto das pessoas aqui. Sinto que meus amigos conseguem aproveitar o melhor que a cultura alemã oferece em termos de educação para seus filhos, mas ainda assim mantém a cabeça aberta e a vida tão flexível quanto o dia a dia com as crianças permite. Esse equilíbrio dos melhores aspectos de duas culturas tem resultados maravilhosos, como é o caso de Stela e Shi duas amigas maravilhosas que são dois dos melhores exemplos de mães que eu conheço. Conseguem curtir a vida, os amigos e os filhos além de educarem seus filhos dentro das espectativas alemães, mas conseguindo deixar as nóias e a rigidez de lado. Comigo o que percebo é que continuo a gostar e me dar bem com crianças, mas depois de minha experiência ensinando em uma escola pública aqui, resolvi me aposentar de lidar com elas profissionalmente. Mas esse é um assunto complexo que prometo contar em outro post.


segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Para Lubi, meu irmão

Lembro que quando eu era criança tudo o que mais queria nessa vida era ter um irmãozinho. Aliás, um irmãozinho, não. O que eu queria era um irmãozão. Nas minhas fantasias de criança, o irmão que me fazia falta nunca era um bebê chorão menor do que eu e sim um menino que seria sempre um pouquinho mais que eu: mais velho, mais sábio, mais popular, mais conhecido. Muito estranho isso, mas quando criança eu trocaria, sem hesitar, qualquer situação em que eu fosse o centro das atenções pela chance de poder dizer: “O quê? Você conhece fulaninho? Ele é meu irmão.” Eu desejava aquilo com tamanha intensidade que minha cabecinha avoada de criança nem se tocava do óbvio que era a impossibilidade daquele sonho. Eu já estava aqui no mundo, ter um irmão mais velho só poderia virar realidade em outra vida.

O tempo foi passando e com ele aquela fantasia foi dando lugar a outras. Agora queria era passar no vestibular, conseguir juntar dinheiro pra fazer um intercâmbio, comprar um carro, arrumar um namorado legal, comprar uma casa, conseguir aquele emprego bala, ganhar na loto, ter uma ilha. À medida que a gente vai crescendo, nossos sonhos vão ficando mais materiais, mais práticos e comigo não foi diferente. Uns sonhos foram se realizando rápido, outros de forma mais trabalhosa e outros foram mudando ou terminaram sendo completamente substituidos. No geral, me considero uma pessoa de sorte por quase sempre conseguir alcançar minhas metas, meus objetivos.


Mas realizar sonhos leva tempo e dá trabalho. Por isso eu estudei muito, troquei de universidade, trabalhei aqui e acolá, trabalhei por merreca, fiz amigos, perdi amigos, fiz cursos, viajei, galinhei bastante - porque ninguém é de ferro - me apaixonei, chorei, dei muita risada, caí, levantei, quis mandar tudo pra puta que pariu, virei zen, fiz yoga, perdi a paciência, a recuperei e, durante todo esse tempo (mais ou menos a partir do momento em que eu comecei a deixar de lado o desejo de ter um irmão mais velho para dar preferência a outras fantasias), uma pessoa esteve presente acompanhando tudo isso. 
Olhando pra trás, lembro exatamente do nosso primeiro contato: eu estava anotando alguma coisa num caderno, apoiado na minha mão, de pé, em frente à sala de aula, antes de o professor chegar. Ele estava encostado na parede, bem ao lado do papel que eu queria ler. Tentei ignorar sua presença, mas ele não é o tipo de pessoa que alguém consiga ou queira ignorar. Era um adolescente lindo, alto, com cabelos longos e brilhantes de dar inveja a qualquer menina, seus olhos eram super meigos, era muito, mas muito charmoso mesmo e como era cheiroso! Simpático como ele só, começou a brincar comigo, tentando me atrapalhar com minhas notas. Dei risada e senti meu coração se aquecer. Mal sabia eu que meu sonho de menina estava se realizando. Naquele exato instante, estava nascendo para mim meu irmão mais velho.Desde então, Lubi, meu irmão esteve presente em minha vida em todos os momentos. Nas fases ruins ele me ouve, aconselha, oferece outra perspectiva da situação. Quando eu passo dos limites, meu irmão me dá umas chamadas pra real também. Coisas de irmão mais velho. 

Assim como todo bom irmãozão, ele sempre foi um grande modelo pra mim e é em grande parte responsável pela minha formação como ser humano. Sem ele, muitos de meus melhores momentos de vida nem teriam acontecido. Entre as tantas coisas que ele fez por mim, está o despertar do meu interesse por questões sociais e políticas, a ampliação do meu universo musical e ter me apresentado ao meu marido, o primeiro grande amor de minha vida. Faltaria espaço aqui pra contar quantas vezes ele aguentou minhas bebedeiras e me levou sem nenhum arranhão sequer de volta pra casa.

Meu irmão e eu já tivemos momentos super próximos de quase sermos um só, ao ponto de algumas pessoas nos chamarem Criselubi, e outros, mais distantes, de meses sem saber um do outro. Hoje em dia eu sei que aquela melancolia que insistia em me acompanhar apesar de eu estar bem, vinha do fato de estar distante de meu irmão. Porque naqueles momentos de distância não se passava um dia sem que eu pensasse nele. Lembrava dele em festas, quando via algo que eu sabia que ele ia gostar, queria fazer comentários que eu sabia que só ele iria entender. Como é comum entre irmãos, já brigamos também. Mas a gente sempre aprende com nossos conflitos e ao final de cada briga, nosso elo se torna cada vez mais forte. Mas não gosto de brigar com meu irmão. Quando isso acontece, a dor é tão grande que parece até que briquei comigo mesma. 


O meu maior pesadelo de mulher adulta é o medo de acordar um dia e me achar sozinha no mundo. Sem filhos, sem marido e sem ninguém com quem dar os últimos passos de minha vida. Pesadelo bizarro, eu sei, mas que recentemente parou de me atordoar, sabe por quê? Esta semana eu estava caindo e meu irmãozão mais uma vez me segurou. Dono de uma sabedoria incrível, mandou eu chorar direito e me disse todas as coisas que eu precisava ouvir. Cada palavra era uma carícia em minha alma. No final, ele completou: haja o que houver, seja quando e onde for, aconteça o que acontecer, pode me chamar que eu vou na mesma hora te socorrer, como você precisar. Senti novamente meu coração se aquecer. Olhei fundo nos seus olhos, que ainda carregam toda a doçura da adolescência, mas com um fator a mais que é a segurança e a maturidade do homem que ele se tornou. 
Acreditei completamente nas palavras dele. Tenho certeza de que nossa amizade e  nosso elo de irmãos são eternos e de que eu nunca vou precisar passar por nada sozinha, se não quiser. Fui relembrada do porque a vida vale a pena e passei a noite agradecendo a papai do céu por me ter concedido o desejo impossível de criança de ter um irmão mais velho.

domingo, 4 de setembro de 2011

Choque musical


Quem disse que é preciso sair do próprio país pra se ter um choque cultural? Recentemente tive o prazer de vistar a Cidade Maravilhosa com a minha família e tive algumas experiências interessantes. A que eu quero relatar aqui hoje é de ordem musical. Quando estavamos no Rio, tivemos o prazer de conhecer pessoas muito legais que nos ofereceram experiências maravilhosas naquela cidade espetacular (um grande abraço pra Norma, Seu Raimundinho e Lena. Cláudia, valeu por nos ter apresentado!!). Eu disse que tinha curiosidade de ver um Baile Funk e Lena, mais do que depressa arrumou um pra gente ir. Ela contou que ia ter um show de pagode e que nos intervalos e no final do show rolava o funk.

Quando ela falou em pagode, imaginei algo assim como “Foge, foge Mulher Maravilha, foge,foge com o Superman”. Baixaria pura, foi o que pensei, mas como minha filosofia de vida é “se foi pro funk, vá descendo até o chão”, coloquei minha roupa de piriguete e me juntei à galera pra ir pro baile. Chegando lá, não me deixei incomodar pelo fato de o nosso grupo ser prehistórico em comparação com os adolescentes que estavam lá. Fui chegando e chacoalhando meu esqueleto. Meu primeiro contato com o mundo funk carioca me deu a impressão que a mídia o tratava com muita injustiça e exagerava muito os fatos. Não achei as danças escabrosas e nem me senti no meio do inferno. Tudo muito normal, adolescentes se divertindo, explorando sua sensualidade com outros adolescentes de forma muito saudável, foi o que pensei.

Mas aí o show da banda de pagode começou e minhas elocubrações deram espaço ao meu primeiro choque cultural com a cultura carioca. Não ouvi o que eu achava que ia ouvir. O que os cariocas chamam de pagode é o que nós baianos simplesmente chamamos de samba. Tenho que admitir que foi uma surpesa agradável. Os pagodeiros cariocas tocaram “Tudo está no seu lugar” de Benito de Paula e “Testamento de um partideiro” de Candeia. Naquele instante me lembrei de uma aula que tinha recebido alguns anos antes de meu priminho querido Samyr. Samyrzinho do Cavaco, nascido e criado no estado de São Paulo, já tinha me advertido para certas diferenças na nomenclatura musical das regiões sudeste e nordeste de nosso Brasil. O que eles chamam de pagode pra gente é samba, o que a gente chama de pagode para eles é Axé e essa miséria toda é música baiana. Faz sentido. Ainda na mesma aula ele chamou minha atenção pra não queimar meu filme falando asneiras do tipo “banda de samba”. Se toca samba é grupo, Cris. Grupo de samba.


Depois de relembrada a lição e de ter dançado muito ao som do samba, quer dizer, pagode, ou melhor samba, ah vocês entenderam, né? Foi a vez do funk mostrar sua verdadeira cara. Não sou uma pessoa que se choca fácil com as coisas, mas as letras daquelas músicas fizeram meu cabelo arrepiar. As danças eram de fazer o pessoal de Sodoma e Gomorra corar de vergonha. Me encostei na parede pra proteger a retaguarda e bati em retirada, afinal de contas como diria o sábio filósofo Roger Murtaugh “I’m too old for this shit”.
 
Apesar de ter ficado chocada com o lirismo do funk, teve uma música que apesar de baixaria me fez dar boas gargalhadas. O vídeo é besta, mas se apreciam uma boa baixaria, vale a pena escutar: MC Duzinho, "Vou morar no cabaré

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Cidade Maravilhosa

Olha, agora eu entendo direitinho porque o Rio de Janeiro foi apelidada Cidade Maravilhosa. Que cidade linda! Me apaixonei à primeira vista e sei como Tom Jobim se sentia: também "estou morrendo de saudades". E não foi só a beleza física daquela cidade que me conquistou não. A cidade maravilhosa também tem um astral maravilhoso, uma energia vibrante e clima boêmio por onde quer que você vá. Como se isso não fosse suficiente, o Rio fez eu me surpreender comigo mesma. Eu vou contar como:



Quando eu viajo, não me acanho nem um pouco de fazer papel de turistona mesmo. Quero ver as atrações principais, faço fotos até o dedo fazer calo e se for diferente do que eu conheço, quero ver, ouvir, fazer, conhecer. Tudo sem agonia, mas também sem me envergonhar nem um pouquinho de ser turista. Por isso, apesar de não ser nada religiosa e de não ter nenhuma simpatia especial pela igreja católica fiz questão de ir ver o Cristo, é claro. O ônibus de linha que nos levou ao Corcovado parecia mais um ônibus de turismo. Só tinha gente, que como nós, tinha viajado muito pra estar ali naquela cidade. 



Em um determinado ponto, uma família de turistas estrangeiros entrou no ônibus. Eles falavam espanhol e um dos meninos, que deveria ter seus seis anos, ia observando as paisagens da cidade e comentando o que via com seus pais. De repente, o Cristo pode ser visto lá do alto. Muitas pessoas apontaram e comentaram, mas esse menino gritou mesmo "Olha, olha o Cristo!!!". Sem que eu pudesse entender ou controlar minha reação, as lágrimas começaram a rolar de meus olhos. Não entendi nada. O menino, por sua vez, gritava empolgado toda vez que o Cristo reaparecia a distância e isso de repente fez minhas mãos gelarem, meu coração palpitar e enquanto tentava conter minhas lágrimas, percebia minha ansiedade aumentar aguardando o momento em que o garoto avistaria e anunciaria a atração. No final das contas estava gritando junto com ele "Cristo! Cristo! Cristo!" "Fale sério, Cris. Quanta abestalhação!!!" pensei comigo mesma.  Mas algo mais forte do que eu me impedia de me comportar como uma adulta normal naquele momento.



Podem me chamar de brega se quiserem, mas acho que naquele instante, me senti tocada diante do maravilhoso que era estar perto de um monumento que já tinha sido visitado por milhões de pessoas de lugares diferentes antes de mim. Me emocionei de novo só de pensar que aquela turistada toda que ali estava naquele momento, por mais diferentes que fossem, tinham um desejo em comum. O desejo de subir aquele morro, admirar a paisagem, fazer fotos de braços abertos na frente daquele monumento e de depois voltar pra casa, mostar suas fotos aos amigos e dizer "eu estive alí". Naquele momento pensei que realmente somos todos iguais e mais uma vez me emocionei. Fui invadida por uma onda de felicidade e euforia de estar ali, muito parecida com a do menino do ônibus. Só que dessa vez troquei as lágrimas pelas fotos pra poder provar depois que eu realmente estive ali. Parecia surreal.



Me peguei instintivamente fazendo uma oração na qual eu agradecia a Deus por ter permitido que, apesar de todo o pragmatismo que a gente é obrigado a cultivar pra sobreviver nesse nosso mundo, eu ainda fosse capaz de manter um olhar maravilhado com as coisas, de poder me surpreender com pouco e me emocionar tão facilmente com uma coisa tão banal como uma atração turística. Agradeci por isso e por ainda conseguir, do auge de meus 35 anos, ter a mesma reação inocente que uma criança diante de uma experiência emocionante.



Então é isso mesmo, viu. Sou bobona e infantil e não consigo manter a pose por muito tempo. Se quiserem gritem comigo com empogação: Cristo Redentor! Rio de Janeiroooooo! Rio! Rio! Rio! Cidade Maravilhosaaaaaaaa! Aquele abraço.
Cris e Cristo em pose super original;-)