Quando vim pra Alemanha pela primeira
vez, não tinha grandes expectativas nem pra mais nem pra menos. Conhecia
os fatos históricos e geográficos que todo mundo conhece e era só isso
mesmo. Depois de meu primeiro ano vivendo aqui, voltei ao Brasil pra
visitar minha família e a pergunta que mais tive de responder foi “Cris,
como é essa coisa do racismo por lá?” Essa pergunta dá pano pra manga,
viu…
Primeiro porque com ela fica logo muito
claro que os alemães se enganam completamente quando acham que sabem o
que o mundo pensa deles. Meus amigos alemães se chateiam porque acham
que a primeira imagem que o mundo associa à Alemanha, é sempre a da
Oktoberfest na Bavária, quando na verdade, pelo menos no Brasil a
primeira coisa que vem à cabeça é mesmo Hitler e o massacre aos judeus
durante a Segunda Guerra Mundial.
Acho uma pena isso de verdade. Os
alemães que vivem aqui hoje não foram responsáveis pelos erros do
passado, que aconteceram aqui nesse território. O que aconteceu aqui
poderia ter acontecido em qualquer lugar do mundo, mas os pobres
coitados tem de viver com isso até hoje. É pesado. E de forma injusta,
porque pra falar bem a verdade, e aproveitando pra mais uma vez
responder à pergunta que me foi feita inúmeras vezes, eu tenho mais
episódios de racismo e descriminação pra contar de Salvador do que
daqui. Sinceramente, a maioria dos alemães nascidos aqui ou não(1),
que eu conheci até então foram sempre pessoas muito agradáveis que se
não podiam ajudar, também não atrapalhavam ou que realmente fizeram
questão de me fazer sentir em casa na terra deles. Infelizmente muitos
deles não vão poder ler esse post, mas a todas essas pessoas que
cruzaram meu caminho por aqui, tendo elas virado minhas amigas ou não,
vielen herlichen Dank(2) por terem me acolhido tão bem.
Claro que aqui tem racismo e preconceito
de todos os tipos também. Ultimamente a mídia aqui não para de divulgar
casos de grupos nacional-extremistas, ativos em todo o país, atacando
estrangeiros e seguidores do islamismo. Não descarto a possibilidade de
escrever um post sobre isso no futuro, mas sinceramente: grupos de
malucos terroristas com ideologia estranha que resolvem usar de
violência contra os outros não é exclusividade daqui. Não acho que seja
um problema cultural e sim um problema psiquiátrico e educacional que
algumas pessoas tem. Ou seja, os alemães que uma pessoa normalmente
encontra ao vir pra cá no dia a dia, são pessoas comuns que podem sem
chatas ou divertidas, sinceras ou falsas, inteligentes ou limitadinhas,
super internacionais ou que vivem agarradas à suas origens, ou seja,
pessoas especiais em alguns aspectos e normalíssimas em outros
iguaizinhas a mim ou a você. Os alemães que eu encontro por aqui
diariamente sorriem para mim quando nossos olhares se cruzam, me
cumprimentam com educação e nunca me fazem duvidar que Bremen é minha
casa.
Mas quero deixar bem claro que quando
falo dessas pessoas, não me refiro de maneira alguma nem ao governo
alemão, nem aos seus burocratas e suas repartições públicas. O
departamento responsável pelos estrangeiros aqui em Bremen, sempre fez
um excelente trabalho em me fazer sentir indesejada, diferente, estranha
e estrangeira, como um ser inferior em uma das maiores potências
mundiais. Triste, mas é verdade. Amo Bremen, minha vida aqui, meus
amigos aqui, os alunos e colegas da escola onde trabalho. Mas toda vez
que vou ao famigerado Ausländeramt (3), fico com vontade de ir correndo
pra o aeroporto e voltar imediatamente pro Brasil, chorando pro colo de
meus pais.
Essas idas à essa repartição são tão desgastantes e
humilhantes que são capazes de fazer explodir qualquer bolha de otimismo
e de forçar qualquer um não só a tirar como também pisar e esmagar seus
óculos cor de rosa(4).
Felizmente as visitas a essa filial do
inferno não precisam ser longas nem frequentes, mas são suficientes para
destruir o bom humor de qualquer um e pra fazer qualquer pessoa duvidar
que a humanidade é capaz de fazer o bem. E esse sentimento pode durar
semanas. Queria ver se Pollyanna seria a mesma depois de passar por
eles. Duvido.
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(1) Tem muita gente que nasceu aqui, mas que não se considera alemão de jeito nenhum.
(2) Muito obrigada do fundo do coração.
(3) Departamento do imigração.
(4) Fiz uma brincadeira com a expressão idiomática da língua alemã "rosarote Brille tragen". Usar óculos rosa-vermelho é a tradução literal e bizonha. Essa expressão significa que a pessoa não vê a realidade como ela de fato é, e sim como se tudo fosse muito melhor e positivo. Enfim, tudo rosinha ou vermelhinho como nos óculos.
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