domingo, 11 de setembro de 2011

Criança feliz



Tudo me lembra criança esse mês.  Não por causa do celebrado dia delas, até porque pelas bandas de cá isso não existe. Tudo me faz pensar em criança no momento porque revi meus afilhados, que estão lindos e enormes e porque K, minha maravilhosa girlfriend, está curtindo uma gravidez planejadíssima e super desejada.



Mas ser criança aqui na Alemanha também é um assunto legal de futucar pra descobrir as semelhanças e diferenças entre culturas. A maior delas, eu acho que é o fato de que no Brasil, a criança é mais celebrada do que aqui. Além de um dia pra se comprar presentes para elas, existe uma acordo tácito de que é proibido não gostar de criança. Aqui não só tem muita gente que não gosta como também não há nenhum grande tabu em se dizer isso em qualquer lugar sem nenhum constrangimento. Uma declaração do tipo "Não quero nunca ter filhos" que horroriza muita gente no Brasil e inicia calorosos debates sobre as maravilhas da maternidade, é tratada com uma grande naturalidade por aqui. Tem um monte de gente casada há milênios que resolve não ter filhos e não tem mesmo. Normal.



A Alemanha é famosa por ser um país bem velho e talvéz essa escascez de criança seja uma das razões pelas quais as pessoas aqui são menos tolerantes do que no Brasil com os pequenos. É raro se ver gente fazendo bilúbilú pra um bebê qualquer que não conhece. Uma mãe empurrando um carrinho de bebê, segurando uma outra criança pela mão e carregando um saco de compras, nem sempre desperta nas pessoas o desejo de levantar e oferecer o lugar no ônibus. Na verdade, eu diria que não desperta nenhum tipo de sentimento. Aqui os corretores listam como desvantagem o fato de um imóvel estar localizado muito próximo a uma escola. Muito barulho; é como justificam a desvalorização. Tem lugares que aceitam animais, mas não aceitam crianças, muita gente se incomoda com elas em restaurante, no mesmo andar do hotel, com os papos de pai e mãe contando estórias sobre seus filhos. E elas literalmente desaparecem das ruas depois das 18:00 horas. Sério mesmo: há oito anos estou aqui e vi somente uma única vez, um casal com um carrinho de bebê na rua depois das 18:00. Eram 20:00 horas e todo mundo que passava por eles lançava uns olhares fulminantes de condenação.



Talvéz por isso, muita gente acaba se isolando do mundo depois que tem filho. É uma faca de dois gumes: Por aqui é muito mais comum achar gente que muda de personalidade depois de ter filho. Muita gente fica chata e sem assunto nenhum que não seja relacionado a bebê. Mas por outro lado o fato de que nem a sociedade é muito receptiva e nem os amigos dão muita chance às pessoas socializarem com seus filhos junto, tornam as coisas mais complicadas.



Em termos de educação é que eu acho muito legal o que eu vejo por aqui. As crianças alemães são muito mais independentes do que as brasileiras. Ainda bem pequenininhas, elas andam ao lado de suas mães sem necessidade de dar a mão. Muitas vezes elas vão é de bicicleta mesmo, as mães na frente e elas atrás como patinhos seguindo a mamãe pata. Elas são educadas desde cedo a serem bem independentes, questionadoras e decididas. Desde cedo escolhem as próprias roupas, ganham mesada pra saber administrar dinheiro e são estimuladas a assumir pequenas tarefas em casa. Marcus, meu afilhadinho quando tinha 4 aninhos, passou um fim de semana aqui em casa e nessa ocasião, me surpreendia por minuto. Sua pouca idada não o impediu de me dizer exatamente quais as comidas que gostava e não gostava, o que ele queria assistir antes de dormir, o que ele queria do supermercado (somente um suquinho e um biscoito - quando eu tinha dado opção ilimitada) e quando eu peguei um chapéu qualquer pra ele colocar porque estava frio lá fora, ele disse que queria o outro porque era mais "cool". 

  

Tenho vários amigos que tem filhos e entre eles sinto uma tendência mais flexível do que a do resto das pessoas aqui. Sinto que meus amigos conseguem aproveitar o melhor que a cultura alemã oferece em termos de educação para seus filhos, mas ainda assim mantém a cabeça aberta e a vida tão flexível quanto o dia a dia com as crianças permite. Esse equilíbrio dos melhores aspectos de duas culturas tem resultados maravilhosos, como é o caso de Stela e Shi duas amigas maravilhosas que são dois dos melhores exemplos de mães que eu conheço. Conseguem curtir a vida, os amigos e os filhos além de educarem seus filhos dentro das espectativas alemães, mas conseguindo deixar as nóias e a rigidez de lado. Comigo o que percebo é que continuo a gostar e me dar bem com crianças, mas depois de minha experiência ensinando em uma escola pública aqui, resolvi me aposentar de lidar com elas profissionalmente. Mas esse é um assunto complexo que prometo contar em outro post.


segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Para Lubi, meu irmão

Lembro que quando eu era criança tudo o que mais queria nessa vida era ter um irmãozinho. Aliás, um irmãozinho, não. O que eu queria era um irmãozão. Nas minhas fantasias de criança, o irmão que me fazia falta nunca era um bebê chorão menor do que eu e sim um menino que seria sempre um pouquinho mais que eu: mais velho, mais sábio, mais popular, mais conhecido. Muito estranho isso, mas quando criança eu trocaria, sem hesitar, qualquer situação em que eu fosse o centro das atenções pela chance de poder dizer: “O quê? Você conhece fulaninho? Ele é meu irmão.” Eu desejava aquilo com tamanha intensidade que minha cabecinha avoada de criança nem se tocava do óbvio que era a impossibilidade daquele sonho. Eu já estava aqui no mundo, ter um irmão mais velho só poderia virar realidade em outra vida.

O tempo foi passando e com ele aquela fantasia foi dando lugar a outras. Agora queria era passar no vestibular, conseguir juntar dinheiro pra fazer um intercâmbio, comprar um carro, arrumar um namorado legal, comprar uma casa, conseguir aquele emprego bala, ganhar na loto, ter uma ilha. À medida que a gente vai crescendo, nossos sonhos vão ficando mais materiais, mais práticos e comigo não foi diferente. Uns sonhos foram se realizando rápido, outros de forma mais trabalhosa e outros foram mudando ou terminaram sendo completamente substituidos. No geral, me considero uma pessoa de sorte por quase sempre conseguir alcançar minhas metas, meus objetivos.


Mas realizar sonhos leva tempo e dá trabalho. Por isso eu estudei muito, troquei de universidade, trabalhei aqui e acolá, trabalhei por merreca, fiz amigos, perdi amigos, fiz cursos, viajei, galinhei bastante - porque ninguém é de ferro - me apaixonei, chorei, dei muita risada, caí, levantei, quis mandar tudo pra puta que pariu, virei zen, fiz yoga, perdi a paciência, a recuperei e, durante todo esse tempo (mais ou menos a partir do momento em que eu comecei a deixar de lado o desejo de ter um irmão mais velho para dar preferência a outras fantasias), uma pessoa esteve presente acompanhando tudo isso. 
Olhando pra trás, lembro exatamente do nosso primeiro contato: eu estava anotando alguma coisa num caderno, apoiado na minha mão, de pé, em frente à sala de aula, antes de o professor chegar. Ele estava encostado na parede, bem ao lado do papel que eu queria ler. Tentei ignorar sua presença, mas ele não é o tipo de pessoa que alguém consiga ou queira ignorar. Era um adolescente lindo, alto, com cabelos longos e brilhantes de dar inveja a qualquer menina, seus olhos eram super meigos, era muito, mas muito charmoso mesmo e como era cheiroso! Simpático como ele só, começou a brincar comigo, tentando me atrapalhar com minhas notas. Dei risada e senti meu coração se aquecer. Mal sabia eu que meu sonho de menina estava se realizando. Naquele exato instante, estava nascendo para mim meu irmão mais velho.Desde então, Lubi, meu irmão esteve presente em minha vida em todos os momentos. Nas fases ruins ele me ouve, aconselha, oferece outra perspectiva da situação. Quando eu passo dos limites, meu irmão me dá umas chamadas pra real também. Coisas de irmão mais velho. 

Assim como todo bom irmãozão, ele sempre foi um grande modelo pra mim e é em grande parte responsável pela minha formação como ser humano. Sem ele, muitos de meus melhores momentos de vida nem teriam acontecido. Entre as tantas coisas que ele fez por mim, está o despertar do meu interesse por questões sociais e políticas, a ampliação do meu universo musical e ter me apresentado ao meu marido, o primeiro grande amor de minha vida. Faltaria espaço aqui pra contar quantas vezes ele aguentou minhas bebedeiras e me levou sem nenhum arranhão sequer de volta pra casa.

Meu irmão e eu já tivemos momentos super próximos de quase sermos um só, ao ponto de algumas pessoas nos chamarem Criselubi, e outros, mais distantes, de meses sem saber um do outro. Hoje em dia eu sei que aquela melancolia que insistia em me acompanhar apesar de eu estar bem, vinha do fato de estar distante de meu irmão. Porque naqueles momentos de distância não se passava um dia sem que eu pensasse nele. Lembrava dele em festas, quando via algo que eu sabia que ele ia gostar, queria fazer comentários que eu sabia que só ele iria entender. Como é comum entre irmãos, já brigamos também. Mas a gente sempre aprende com nossos conflitos e ao final de cada briga, nosso elo se torna cada vez mais forte. Mas não gosto de brigar com meu irmão. Quando isso acontece, a dor é tão grande que parece até que briquei comigo mesma. 


O meu maior pesadelo de mulher adulta é o medo de acordar um dia e me achar sozinha no mundo. Sem filhos, sem marido e sem ninguém com quem dar os últimos passos de minha vida. Pesadelo bizarro, eu sei, mas que recentemente parou de me atordoar, sabe por quê? Esta semana eu estava caindo e meu irmãozão mais uma vez me segurou. Dono de uma sabedoria incrível, mandou eu chorar direito e me disse todas as coisas que eu precisava ouvir. Cada palavra era uma carícia em minha alma. No final, ele completou: haja o que houver, seja quando e onde for, aconteça o que acontecer, pode me chamar que eu vou na mesma hora te socorrer, como você precisar. Senti novamente meu coração se aquecer. Olhei fundo nos seus olhos, que ainda carregam toda a doçura da adolescência, mas com um fator a mais que é a segurança e a maturidade do homem que ele se tornou. 
Acreditei completamente nas palavras dele. Tenho certeza de que nossa amizade e  nosso elo de irmãos são eternos e de que eu nunca vou precisar passar por nada sozinha, se não quiser. Fui relembrada do porque a vida vale a pena e passei a noite agradecendo a papai do céu por me ter concedido o desejo impossível de criança de ter um irmão mais velho.

domingo, 4 de setembro de 2011

Choque musical


Quem disse que é preciso sair do próprio país pra se ter um choque cultural? Recentemente tive o prazer de vistar a Cidade Maravilhosa com a minha família e tive algumas experiências interessantes. A que eu quero relatar aqui hoje é de ordem musical. Quando estavamos no Rio, tivemos o prazer de conhecer pessoas muito legais que nos ofereceram experiências maravilhosas naquela cidade espetacular (um grande abraço pra Norma, Seu Raimundinho e Lena. Cláudia, valeu por nos ter apresentado!!). Eu disse que tinha curiosidade de ver um Baile Funk e Lena, mais do que depressa arrumou um pra gente ir. Ela contou que ia ter um show de pagode e que nos intervalos e no final do show rolava o funk.

Quando ela falou em pagode, imaginei algo assim como “Foge, foge Mulher Maravilha, foge,foge com o Superman”. Baixaria pura, foi o que pensei, mas como minha filosofia de vida é “se foi pro funk, vá descendo até o chão”, coloquei minha roupa de piriguete e me juntei à galera pra ir pro baile. Chegando lá, não me deixei incomodar pelo fato de o nosso grupo ser prehistórico em comparação com os adolescentes que estavam lá. Fui chegando e chacoalhando meu esqueleto. Meu primeiro contato com o mundo funk carioca me deu a impressão que a mídia o tratava com muita injustiça e exagerava muito os fatos. Não achei as danças escabrosas e nem me senti no meio do inferno. Tudo muito normal, adolescentes se divertindo, explorando sua sensualidade com outros adolescentes de forma muito saudável, foi o que pensei.

Mas aí o show da banda de pagode começou e minhas elocubrações deram espaço ao meu primeiro choque cultural com a cultura carioca. Não ouvi o que eu achava que ia ouvir. O que os cariocas chamam de pagode é o que nós baianos simplesmente chamamos de samba. Tenho que admitir que foi uma surpesa agradável. Os pagodeiros cariocas tocaram “Tudo está no seu lugar” de Benito de Paula e “Testamento de um partideiro” de Candeia. Naquele instante me lembrei de uma aula que tinha recebido alguns anos antes de meu priminho querido Samyr. Samyrzinho do Cavaco, nascido e criado no estado de São Paulo, já tinha me advertido para certas diferenças na nomenclatura musical das regiões sudeste e nordeste de nosso Brasil. O que eles chamam de pagode pra gente é samba, o que a gente chama de pagode para eles é Axé e essa miséria toda é música baiana. Faz sentido. Ainda na mesma aula ele chamou minha atenção pra não queimar meu filme falando asneiras do tipo “banda de samba”. Se toca samba é grupo, Cris. Grupo de samba.


Depois de relembrada a lição e de ter dançado muito ao som do samba, quer dizer, pagode, ou melhor samba, ah vocês entenderam, né? Foi a vez do funk mostrar sua verdadeira cara. Não sou uma pessoa que se choca fácil com as coisas, mas as letras daquelas músicas fizeram meu cabelo arrepiar. As danças eram de fazer o pessoal de Sodoma e Gomorra corar de vergonha. Me encostei na parede pra proteger a retaguarda e bati em retirada, afinal de contas como diria o sábio filósofo Roger Murtaugh “I’m too old for this shit”.
 
Apesar de ter ficado chocada com o lirismo do funk, teve uma música que apesar de baixaria me fez dar boas gargalhadas. O vídeo é besta, mas se apreciam uma boa baixaria, vale a pena escutar: MC Duzinho, "Vou morar no cabaré