Não sou uma grande fã
de comprar roupas e sapatos. Gosto desses itens, mas só de pensar no tempo que
se perde escolhendo coisas, nas pessoas que parecem hipnotizadas olhando as
roupas com uma paciência quase meditativa em frente ao cabide no qual eu quero
ver algo rapidinho, na grana que se gasta, nos provadores das lojas com aquela
iluminação dos infernos, planejadas para realçar cada ponto de celulite de
nossas bundas, começo a me coçar toda em sinais claros de alergia. Affffffe ô
coisa que eu odeio! Isso sem contar que me apego a certas peças de roupa. Se
ficou bonito, ferrou! Encarno num visual e uso uma camiseta até furar.
Deprimente e desnecessário, eu sei. Mas como diria Gabriela "eu nasci
assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim", fazer o quê? Mesmo assim,
de vez em quando me pego tendo uns ataques de peruice profunda e acordo
disposta a entrar em lojas, experimentar coisas e gastar meu suado dinheirinho
sem compaixão.
Quando tenho um
ataque desses, também não fico me controlando, não. Parto pra ofensiva mesmo e
o que acontece é mais ou menos assim: Acordo cedo pra desbravar as lojas assim
que abrem, quando as prateleiras e cabides ainda estão arrumadinhos e os outros
consumidores ainda não começaram a pensar em gastar. Coloco um sapato
confortável, fácil de calçar e descalçar e coloco uma roupa igualmente gostosa
de usar e fácil de tirar pra facilitar o tira- e-veste-de-novo do processo. Se
estou no Brasil, procuro aquele cartão de crédito com um limite bom que vive
escondido em alguma gaveta remota que quase nunca abro e se estou na Alemanha
faço um belo resgate de meu fundo de investimentos que mantenho escondido
embaixo do colchão e lá vou eu aquecer a economia local.
Chego na rua me
sentindo: "Tô pudendo, hein galera!! Sai da frente!" E vou com toda
sede ao pote e toda paciência meditativa que normalmente me irrita, futucar os
cabides das lojas. Algumas horas depois, faço uma pausa pro almoço e para
examinar minhas aquisições e o ciclo recomeça, até o estômago roncar de novo
algumas horas depois, quando faço minha segunda pausa, desta vez acompanhada de
uma cerveja e aí é quando o ataque de peruice normalmente vai esfriando, a
medida que as cervejas vão sendo servidas, até quando ele passa totamente e eu
volto pra casa meio cambaleante tentando equilibrar minhas milhões de sacolas
pelo caminho.
Essa semana tive um
desses ataques e fiquei feliz da vida ao constatar que já na primeira loja que
entrei me armei. Era tanta coisa bonita e barata que a febre ameaçava nem durar
até a hora do almoço. Já estava quase indo pagar quando uma voz chatinha no fundo de meu
cérebro me implora pra dar uma olhadinha na minha bolsa antes de me dirigir ao
caixa e aí é quando eu não encontro minha carteira.
"Não
acredito!!!" Esbravejo, enquanto procuro feito doida dentro da enorme
bolsa que não sei porque tinha achado
que seria uma boa idéia usar justo hoje. Procuro por toda parte e por fim tenho
de aceitar a realidade, que realmente esqueci a danada em casa. Largo tudo em
qualquer lugar e saio da loja mau humorada, frustrada e de repente me
transformo em terrorista e penso: "Porra de consumo! Isso representa tudo
que há de errado com o mundo! Se tivesse uma bomba aqui, explodiria todas as
cidades do mundo, todas as lojas e todas as roupas e sapatos já!!!"
Chego em casa com meu
rabinho entre as pernas e me ponho a procurar a bendita. Procuro por toda a
parte e nada. Já estou na fase da triste aceitação de que devo té-la perdido e
resignada, começo a fazer uma lista mental de todos os cartões que terei de
cancelar, quando de novo a tal vozinha de lá do fundo do cérebro me diz uma das
frases mais imbecis, porém mais cheias de razão que já foram inventadas pelo
ser humano: "Calma, Cris. Procure de novo. Sua carteira deve estar em
algum lugar."
Dou uma respirada bem
funda, ignoro minha irritação com minha própria lógica abestalhada e me ponho a procurar novamente,
desta vez com mais calma, cuidado e atenção. Resolvo esvaziar a tal maxi bolsa
que tinha levado pra rua. Calmamente, vou abrindo e retirando coisa por coisa,
abrindo cada bolsinho, passando a mão em cada sub parte de seu interior, quando
de repente sinto uma textura familiar. Lá estava ela, minha carteira,
escondidinha em um dos bolsinhos de minha bolsona, quietinha e cheia de dindin
que não foi gasto, calma e irônica como a rir de minha cara ou da moral de uma
estória que eu precisei de um dia inteiro pra entender: minha carteira,
consciente do fato de que pertence a alguém que tem planos insanos de gastar o
que não pode, lança mão até de ilusionismo e camuflagem pra se defender do
ataque de consumismo descontrolado de sua dona.
Interessante que ela
nunca se camufla assim quando vou pro bar. Ridícula...