segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Teste de otimismo

Quando vim pra Alemanha pela primeira vez, não tinha grandes expectativas nem pra mais nem pra menos. Conhecia os fatos históricos e geográficos que todo mundo conhece e era só isso mesmo. Depois de meu primeiro ano vivendo aqui, voltei ao Brasil pra visitar minha família e a pergunta que mais tive de responder foi “Cris, como é essa coisa do racismo por lá?” Essa pergunta dá pano pra manga, viu…

Primeiro porque com ela fica logo muito claro que os alemães se enganam completamente quando acham que sabem o que o mundo pensa deles. Meus amigos alemães se chateiam porque acham que a primeira imagem que o mundo associa à Alemanha, é sempre a da Oktoberfest na Bavária, quando na verdade, pelo menos no Brasil a primeira coisa que vem à cabeça é mesmo Hitler e o massacre aos judeus durante a Segunda Guerra Mundial. 
 
Acho uma pena isso de verdade. Os alemães que vivem aqui hoje não foram responsáveis pelos erros do passado, que aconteceram aqui nesse território. O que aconteceu aqui poderia ter acontecido em qualquer lugar do mundo, mas os pobres coitados tem de viver com isso até hoje. É pesado. E de forma injusta, porque pra falar bem a verdade, e aproveitando pra mais uma vez responder à pergunta que me foi feita inúmeras vezes, eu tenho mais episódios de racismo e descriminação pra contar de Salvador do que daqui. Sinceramente, a maioria dos alemães nascidos aqui ou não(1), que eu conheci até então foram sempre pessoas muito agradáveis que se não podiam ajudar, também não atrapalhavam ou que realmente fizeram questão de me fazer sentir em casa na terra deles. Infelizmente muitos deles não vão poder ler esse post, mas a todas essas pessoas que cruzaram meu caminho por aqui, tendo elas virado minhas amigas ou não, vielen herlichen Dank(2) por terem me acolhido tão bem. 

Claro que aqui tem racismo e preconceito de todos os tipos também. Ultimamente a mídia aqui não para de divulgar casos de grupos nacional-extremistas, ativos em todo o país, atacando estrangeiros e seguidores do islamismo. Não descarto a possibilidade de escrever um post sobre isso no futuro, mas sinceramente: grupos de malucos terroristas com ideologia estranha que resolvem usar de violência contra os outros não é exclusividade daqui. Não acho que seja um problema cultural e sim um problema psiquiátrico e educacional que algumas pessoas tem. Ou seja, os alemães que uma pessoa normalmente encontra ao vir pra cá no dia a dia, são pessoas comuns que podem sem chatas ou divertidas, sinceras ou falsas, inteligentes ou limitadinhas,  super internacionais ou que vivem agarradas à suas origens, ou seja, pessoas especiais em alguns aspectos e normalíssimas em outros iguaizinhas a mim ou a você. Os alemães que eu encontro por aqui diariamente sorriem para mim quando nossos olhares se cruzam, me cumprimentam com educação e nunca me fazem duvidar que Bremen é minha casa.

Mas quero deixar bem claro que quando falo dessas pessoas, não me refiro de maneira alguma nem ao governo alemão, nem aos seus burocratas e suas repartições públicas. O departamento responsável pelos estrangeiros aqui em Bremen, sempre fez um excelente trabalho em me fazer sentir indesejada, diferente, estranha e estrangeira, como um ser inferior em uma das maiores potências mundiais. Triste, mas é verdade. Amo Bremen, minha vida aqui, meus amigos aqui, os alunos e colegas da escola onde trabalho. Mas toda vez que vou ao famigerado Ausländeramt (3), fico com vontade de ir correndo pra o aeroporto e voltar imediatamente pro Brasil, chorando pro colo de meus pais. 
 
Essas idas à essa repartição são tão desgastantes e humilhantes que são capazes de fazer explodir qualquer bolha de otimismo e de forçar qualquer um não só a tirar como também pisar e esmagar seus óculos cor de rosa(4)
 
Felizmente as visitas a essa filial do inferno não precisam ser longas nem frequentes, mas são suficientes para destruir o bom humor de qualquer um e pra fazer qualquer pessoa duvidar que a humanidade é capaz de fazer o bem. E esse sentimento pode durar semanas. Queria ver se Pollyanna seria a mesma depois de passar por eles. Duvido.
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(1) Tem muita gente que nasceu aqui, mas que não se considera alemão de jeito nenhum. 

(2) Muito obrigada do fundo do coração.

(3) Departamento do imigração.

(4) Fiz uma brincadeira com a expressão idiomática da língua alemã "rosarote Brille tragen". Usar óculos rosa-vermelho é a tradução literal e bizonha. Essa expressão significa que a pessoa não vê a realidade como ela de fato é, e sim como se tudo fosse muito melhor e positivo. Enfim, tudo rosinha ou vermelhinho como nos óculos.