segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Receita de Ano Novo (Carlos Drummond de Andrade)

Para você ganhar um belíssimo Ano Novo
Cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvéz ou nem sentido)
Para você ganhar um ano
Não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
Mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
Novo
Até no coração ds coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
Passa telegramas?).
Não precisa
Fazer lista de boas intenções
Para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
Pelas besteiras consumadas
Nem parvamente acreditar
Que por decreto da esperança
A partir de janeiro as coisas mudem
E seja tudo claridade, recompensa,
Justiça entre os homens e as nações,
Liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
Direitos respeitados, começando
Pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
Que mereça este nome,
Você, meu caro, tem de merecê-lo,
Tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
Mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
Cochila e espera desde sempre.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Berlim

Portão de Brandenburgo
 Domingo passado voltei de Berlim, onde tinha passado quase a semana inteira e estou apaixonada por aquela cidade. Berlim é imensa e imponente. Como toda grande cidade, ela não espera por ninguém. Ao andar por suas ruas você ouve, lê, vê, pisa e respira história sem parar. Muito lindo, muito marcante e sem dúvida nenhuma, muito inspirador. Tenho que voltar em breve.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Meio azedo, ou "E eu com isso?"

Imagem: Pixabay
Já era pra eu ter escrito esse post há mais tempo, mas confesso que precisei de um tempo pra processar o assunto...

Dia 05 de novembro, chego na escola e sou parabenizada euforicamente por um colega de trabalho, meio desequilibrado. Eu preciso de uns minutos para entender, afinal de contas não é meu aniversário, nem nenhuma data especial. Mas como parabéns no geral é coisa boa, aceito simplesmente e continuo meu caminho, confirmando minha tese de que aquele cara estrapola a cota de maluquice permitida por professor. Chego na sala de aula, começo a arrumar meus muitos bagulhos, quando um outro colega aparece na porta e me fala que eu devo estar muito feliz. E eu de fato estava, só não sabia se era pela mesma razão que ele esperava que eu estivesse. Sinceramente, todo mundo estava me parecendo meio louco.

A gota d'agua no entanto, foi quando uma aluna entrou na sala já me dando os parabéns. Resolvi admitir minha ignorância e perguntei por que ela estava me parabenizando. Pela vitória de Obama, foi resposta. Você deve estar totalmente feliz, acrescentou. Naquele momento, a ficha caiu: fui parabenizada três vezes num só dia pela vitória dos outros. E eu fiquei com vontade de dar meus pêsames pela ignorância geral.

Pra que não haja dúvida, achei bom que Obama ganhou. Acho também que esse é um momento histórico importantíssimo. Quem imaginava ver os Estados Unidos elegerem um presidente negro? Martin Luther King, com certeza não... Mas além do fato de nós dois sermos humanos, habitantes do planeta terra e representantes da raça negra, não temos nada em comum. Por isso não preciso ser parabenizada pela vitória dele, porque eu simplesmente não tenho nada a ver com isso. Nem todo negro se parece, é parente ou faz parte da mesma irmandade.

E tem mais: para aqueles que se passaram nas aulas de história, Obama não é a Princesa Isabel e já não existe escravidão oficialmente no Brasil desde 1888. Brasil é na America do Sul e o nosso presidente é brasileiro. Muita gente, por medo de parecer racista, acaba falando tanta besteira que no final faz papel é de palhaço mesmo. Sei que os parabéns foram dados com muito boas intenções. Mas dessas aí, como diz o ditado, o inferno está cheio. Na minha opinião, a melhor coisa a se fazer quando não se quer ser confundido com um racista, é mesmo deixar de ser um.

sábado, 25 de outubro de 2008

Identidade




Minha amiga Maria da Graça, que se sente muito mais Gal, está passando por um perído de Maria. Isso me levou a pensar nos vários nomes que me apresentam e como eles me fazem sentir comigo mesma.



Nasci como Cristiane. Segundo minha mãe, um nome muito grande para uma coisinha tão pequena e acabei virando Cris. No decorrer desses 32 anos, já fui Crisinha, Tião, Budi, Crispina. Eu sou todos esses nomes.



Quando eu cheguei aqui acabei recebendo nomes novos. E meus novos nomes viam com novas formas de me sentir, de andar e até mesmo de pensar. De repente virei Frau Santos, muito séria e meio antipática. Ser chamada de Frau Santos me arrepia a espinha. É o mesmo arrepio que eu sentia quando era criança e ouvia minha mãe gritar “Cristiane, venha aqui!!!” ser chamada de Cristiane só podia ser encrenca. Da mesma forma, tenho muito cuidado com essa tal de Frau Santos.



De vez em quando sou também Cris Santos e essa daí já e mais legal, quase como sua colega brasileira Cris Oliveira só um pouquinho deslocada no espaço.  Mas dentre todas as Crises alemãs, as melhores mesmo são a Cris-Cross e a Cripy. Essas aí são dá galera e só andam acompanhadas dos amigos. Sejam eles alemãs ou brasileiros.



Tem momentos que eu sou mesmo é Cris Credo. Quando essa chega, está procurando briga, melhor sair de baixo. Algumas amigas brasileiras e eu desenvolvemos uma brincadeira no nosso correio eletrônico. Sempre assinamos com um nome diferente, engraçadinho que muito diz do nosso momento. Nosso nomes, sempre dizem muito da gente, mesmo sem que  a gente se dê conta.



Quando penso direitinho, é bom poder ser muitos nomes. Um dia assim outro dia nem tanto. Um nome para cada ocasião, como a roupa, o cabelo ou a maquiagem que a gente coloca para encarar o mundo. Sou Cristiane, escrito sem h, mas no geral me sinto mesmo é Cris. Simples e bem pequena, porém com grande potencial para ser completada ou se transformar em algo bem diferente. Às vezes viro Cristal outras vezes sou Cricri, mas tudo isso sem  muita Crise.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Bambüddel

O início do semestre de aulas me motivou a escrever mais um texto sobre uma das escolas onde eu trabalho aqui em Bremen, a VHS. Tem mais ou menos um ano que a sede da escola foi transferida de um casarão em um bairro de classe alta de Bremen para um prédio high-tech de nove andares perto do centro. Pela história da escola, era mesmo meio esquisito que sua sede fosse em uma mansão em um bairro chique. A nova sede com certeza tem mais a ver com a história da instituição.

O prédio onde hoje funciona a Bremer Volkshochschule foi propriedade do comerciante judeu Julius Bamberger, que viveu de 1880 à 1951.Sendo judeu e vivendo aqui na Alemanha nesse período, não é difícil de imaginar o que aconteceu com ele, não é mesmo? Pois é, a perseguição nazista o obrigou a fugir para a Suíça, depois para a França e finalmente para os Estados Unidos. Seu edfício, que deveria ter sido o primeiro shopping center de Bremen foi bombardeado em 1945, mas mesmo antes disso, já tinha sofrido embargos mil, uma das medidas persecutórias utilizadas pelo Terceiro Reich.

Ano passado a VHS se mudou para esse prédio que é também conhecido como "Bambüddel". Dizem que o "Bambüddel" é todo high-tech. Eu falo "dizem" porque a tecnologia que eu vi até agora no prédio ainda não me impresionou. Mas tudo bem... é difícil impressionar com tecnologia alguém que já trabalhou no Sartre COC. Por isso, prefiro simplesmente dizer que deve ter muita coisa escondida que eu ainda não descobri... Como eu sou dessas pessoas que demora pra entender as grandes inovações tecnológicas, mas que se impressiona muito facilmente com pequenas coisas simples, tenho de confessar que o que mais chama a minha atenção no "Bambüddel" é o café e restaurante que tem no térreo.

Lá os funcionários sabem os nomes dos clientes e o atendimento é sempre acompanhado de um sorriso. E não é esse sorriso obrigado pela política da empresa, muito frequente nos atendimentos de nossos tempos, não. Sei disso porque é um lugar onde idosos e portadores de deficiência se sentem à vontade para demorar uns minutos a mais do que os outros para achar o dinheiro na carteira e o funcionários não ficam impacientes. Aliás pessoas portadoras de deficiência trabalham no Julius Café.
Esse tipo de delicadeza com outro aqui por essas bandas, me impressiona muito mesmo. Isso, e a vista lindíssima que se tem de toda cidade lá do último andar do edfício.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

VHS - Volkshochschule



VHS é a abreviatura de Volkshochshule que traduzindo para o português seria uma coisa tipo "escola do povo" ou "escola popular". Quase todas as grandes cidades alemãs e austríacas tem uma VHS, para sorte de muita gente que mora aqui. Eu explico: quase todas as VHS foram fundadas depois da Primeira Guerra Mundial numa tentativa de oferecer educação rápida e de qualidade para os milhões de pessoas para as quais o direito à uma formação acadêmica foi negado durante esse período da história. Mas foi mesmo durante as décadas de 60 e 70 que as VHS aqui na Alemanha estabeleceram seu caráter popular, inovador e revolucionário. Até hoje as VHSs são conhecidas por serem escolas que oferecem cursos bons e diferenciados a preços que qualquer trabalhador pode pagar. Um curso de inglês, por exemplo, custa em média 80 Euros, ou mais ou menos R$190,00 o semestre. Não é à toa que muitas pessoas, só de passa-tempo, se matriculam em cursos de inglês, jardinagem, decoração, fotografia, yoga e o diabo a quatro aqui.


A Volkshochschule também foi a primeira escola a me oferecer emprego como professora de inglês aqui na Alemanha. Me lembro de minha entrevista com Maggie Bouqdib, na qual a gente conversou como se já nos conhecessemos há anos e que no final saí de lá com duas turmas a começar na semana seguinte. Ela também foi a primeira coordenadora de escola aqui em Bremen que não achou anormal uma brasileira ser professora de inglês e que ao conversar comigo se interessou mais por minha experiência pessoal e profissional do que pela situação futebolística brasileira e pelas belezas do Rio de Janeiro (que eu nem conheço...). 


Enfim, comecei a trabalhar na Bremer Volkshochschule em 2003 e foi amor à primeira aula. A escola tem seus problemas, como toda escola do mundo, mas é uma instituição pela qual é impossível não se apaixonar. Um das principais motivos talvéz seja porque num país tão cheio de preconceitos e idéias estranhas essa escola tem professores das mais diversas nacionalidades. E não é o previsível "Hans, só porque é alemão, vai ter que ensinar alemão e Luigi vai ter que ensinar italiano só porque é italiano", não. Estas possibilidades existem também, mas na VHS Cris Oliveira é brasileira, não entende de futebol e ensina inglês. E ninguém acha nada estranho nisso.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Brasileira




Em 1992 eu dei minha primeira aula de inglês. Meu alunos na época nem desconfiavam que tinham sido entregues nas mãos de uma pessoa que não tinha a menor idéia do que estava fazendo. No entanto, graças a São Morfema (os católicos fervorosos que me desculpem, mas não sei qual é o santo protetor das salas de aulas) nenhuma catástrofe aconteceu e aos poucos eu fui tomando gosto por ensinar e com isso passei a sempre procurar ser a melhor professora que eu posso ser em cada momento de minha carreira profissional.

Desde abril deste ano resolvi tentar ensinar português. Contei e ainda conto com a ajuda de
Shi, que além de ser uma grande amiga é também uma excelente professora de nossa língua. Comecei dando aula para um grupo apenas e a coisa está começando a se expandir. Estou muito surpresa e feliz de ver que nossa língua está sendo cada vez mais procurada por aqui. Tem gente que quer aprender por causa do trabalho, muitos aprendem simplesmente para viajar pelo Brasil ou Portugal e muitos outros querem aprender português porque tiveram algum contato com a língua e a acharam linda. Ou conhecem brasileiros e os acham pessoas muito bacanas, divertidas e com isso só já se motivaram para querer aprender nossa língua.

Me orgulho de minhas origens e acho meu país lindo, mas confesso que meu nacionalismo nunca foi muito exibicionista. Apesar de amar meu país não penduro bandeira do Brasil na minha sala nem durante a copa. Não é protesto, nem descaso. Meu amor pelo Brasil e tudo que diz respeito a ele é assim mesmo, calminho. Eu gosto de senti-lo sem precisar fazer alarde disso. Mas este momento em que estou tendo a possibilidade de dividir meu idioma e minha cultura com outras pessoas tem me deixado extremamente feliz. E outro dia me peguei cantarolando "ah... sou brasileira, com muito orgulho, com muito amor..."

domingo, 27 de julho de 2008

Entre o português e o alemão



Para alemão literatura é ciência. Dança é competição ou esporte. Para mim, literatura e dança sempre serão arte. Para brasileiro, jogar e brincar são duas coisas diferentes. Em alemão, a palavra spielen coloca os dois verbos no mesmo saco. Se tudo é a mesma coisa, por que será que por aqui não se veem jogadores com Ronaldinho Gaúcho ou Garrincha que sabem jogar brincando?

Na língua alemã estudar e aprender são uma coisa só: lernen e ponto. Seria muito bom se cada vez que um alemão sentasse pra estudar ele pudesse mesmo garantir que aprendeu. E por fim, será que alguém aí pode me explicar por que é que numa cultura na qual as mulheres são tão fortes a gramática permite que o homem e o menino sejam masculinos (der Mann, der Jung) e a menina (das Mädchen) tem de ser neutra?